Gizelly quer reunir amigas do BBB 20 para ação em presídios

Formada em direito a capixaba quer propagar conhecimento jurídico para evitar que mais pessoas cresçam sem saber seus direitos legais

Gizelly Bicalho, ex-BBB - Reprodução/Instagram

Gizelly Bicalho já sabe como quer usar a fama que adquiriu após os meses de confinamento no Big Brother Brasil 20 (Globo). Formada em direito, a capixaba de 28 anos quer propagar conhecimento jurídico para evitar que mais pessoas cresçam sem saber seus direitos legais. "Já ouvi que 'direitos humanos' é 'direito dos manos' [em referência aos criminosos]. Direitos humanos é você ter direito à saúde, educação, moradia, carteira assinada. Só que as pessoas não sabem disso."

"A maioria da população é desinformada sobre seus direitos e deveres. Quero aproveitar essa minha visibilidade para levar conhecimento jurídico às pessoas", diz a advogada criminalista, que defende que o direito constitucional seja ensinado em escolas públicas e privadas.

Um problema desconhecido e atual, que ela mesma sofre, é em decorrência dos chamados "haters" da internet. O cyberbullying é um crime, diz ela, e pessoas podem ser condenadas por compartilhar "nudes" de outras pessoas, ou por ofensas virtuais. "As pessoas criam coragem para xingar na internet porque estão escondidos atrás de uma tela. Quero que essa ideia, de que internet é terra sem lei, acabe. Aqui existe um ser humano com sentimentos. Se você achou minha atitude ridícula, guarda para você", diz ela, que já foi alvo de um internauta que disse que ela "merecia ser estuprada". 

 

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"Não vai ficar assim. Vou abrir uma ocorrência para cada comentário. Sou advogada, brother." Como advogada criminalista, Gizelly enfrenta um grande dilema ao não poder visitar algumas de suas clientes na prisão, por causa do isolamento social. "Meus clientes precisam de mim, às vezes desesperadamente. Mas eu sou uma pessoa, agora, que tudo o que eu faço serve de exemplo", explica.

"Meu maior medo neste momento é a pandemia. As mortes, o aumento da fome, da criminalidade, a violência doméstica... É muito triste saber que estamos regredindo. O isolamento é necessário, mas as consequências dele são muito grandes. Começo a surtar quando penso que pessoas morrerão de fome ou violência em casa."

Passado este período, a advogada quer fazer uma ação com famosos e anônimos dentro de uma prisão feminina. "Trabalho em presídio e vejo a realidade das mulheres. Na maioria dos casos, elas cometeram algum crime por causa do marido, namorado, contatinho. E elas são esquecidas. Em um presídio de 300 mulheres presas, 15 recebem visita íntima. No presídio masculino tem fila para essas visitas", diz. "São mulheres esquecidas. A autoestima delas acaba, e muitas entram em depressão."

A ideia é promover um dia de arte e beleza a essas mulheres, com manicure, cabeleireiro, maquiagem e música. Segundo ela, Manu Gavassi, Ivy, Marcela e "mais um monte de gente" já topou participar. "Não estou passando a mão na cabeça de ninguém. Elas são presas condenadas, que estão pagando por seus crimes, mas a nossa constituição prevê a ressocialização para reintegrá-las na sociedade; para terem uma vida lá fora e não precisarem se envolver com o crime."

"Infelizmente, os nossos presídios hoje só servem para punição. A pessoa sai do mesmo jeito ou pior do que entrou, se não tem essa ressocialização", completa. Gizelly diz que já pensou até em fazer um documentário para retratar a realidade dentro das prisões, aproveitando a visibilidade que adquiriu.

"Por que garantir os direitos de quem está encarcerado? Porque essa pessoa está sob o domínio do estado. Quem dá comida a ele é o estado, quem deixa ele tomar banho é o estado, e quem dá o trabalho é o estado. E como estão encarcerados, eles não podem abrir a boca para contar."


AUTOSSABOTAGEM E DEPRESSÃO

Com a fama, Gizelly tem aprendido o que pode ou não fazer em seu dia a dia. "Quando saí da casa [do BBB 20] e me deparei com tudo isso, me assustei muito. Minha vida virou uma loucura, eu não mando mais em mim. Já entendi que não sou mais uma anônima, mas ainda não senti na pele como é ser conhecida porque eu não saí na rua", diz ela, contanto que diariamente recebe presentes e cartas de fãs.

"Por que essas pessoas gostam de mim? Elas nunca me viram", recorda a advogada sobre indagações que fez nos primeiros momentos fora do reality da Globo. "Tenho que me recuperar, entender essa vida nova, porque é muito pesado. Não é fácil chegar num mundo onde tem gente que te odeia pelo simples fato de você respirar. E tenho muito problema com a autossabotagem. Recebo vários comentários positivos, mas um negativo acaba com meu dia. É complicado: em tempos de Instagram, a gente acha que todo mundo é feliz."

A advogada, que tem um histórico de depressão, conta que já foi à psiquiatra e psicóloga para se adaptar à nova vida, em que uma curtida ou um comentário pode desencadear novos transtornos. Ela diz acreditar que vai se adaptar, uma vez que desde seus três anos de idade sonhava em aparecer na TV.



"Estou muito bem amparada psicologicamente, mas tenho medo de cair na depressão de novo. Por isso que não entro em outro reality no momento: a pressão é muito grande", revela Gizelly, que teve um quadro de depressão na época em que se inscreveu para o BBB pela primeira vez, em 2018. Ela afirma que usou remédios para o tratamento e, desde então, mantém uma rotina de terapia holística e atendimento com psicólogo comportamental.

"Só conseguia assistir Instagram Stories de Carlinhos Maia, pois me trazia a vontade de viver novamente, e recebo várias mensagens dizendo 'Gi, você é o meu Carlinhos Maia'. Para mim, é uma honra", diz. "Hoje eu consigo entender que alguns dos meus fãs conseguem me entender melhor que eu mesma. Faço de tudo para retribuir esse carinho. Posso ter azar no jogo, mas no amor eu não tenho."

Olhando para trás, a advogada se orgulha de ter sido ela mesma no BBB 20, com suas vulnerabilidades e ideais, e ela diz, em tom de brincadeira, que sua única preparação foi comprar 20 calcinhas e 3 pijamas. Ao menos, a despensa de sua casa aumentou: a ex-sister levou consigo um estoque de produtos de higiene ao ser eliminada do reality.


"A casa era minha, quem morava lá era eu. Aquilo era nosso, era abastecido para nós. E isso não estava nas laudas do programa. Pensei: vou lembrar lembranças para mim e meus amigos. Não foi na maldade", diz ela, contando que levou ao menos 10 desodorantes, 5 escovas de dente, brilho labial, 3 fios dentais e sabonetes.

HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
A bandeira que Gizelly levanta pelas mulheres vítimas de violência conversa com seu passado. Dentro de sua casa, ela cresceu vendo o pai, Osmir Abreu, proferindo agressões verbais e até ameaças de morte à sua mãe, Márcia Machado.

"Até hoje minha mãe não conseguiu se recuperar dessa autoestima baixa e insegurança", diz. "Vejo que ela fica muito mal por não ter um diploma, porque era o que meu pai falava para ela. Quando dei uma loja para ela, ela me agradeceu e disse que nunca foi tão feliz na vida."

Gizelly diz que as agressões raramente começam como físicas. O homem, que muitas vezes está casado há anos com a mulher ou é pai dos filhos dela, começa atacando sua autoestima. "Eles são persuasivos e começam tirando seu brilho, sua alegria e sua autoestima. E chegam até mesmo a matar", conta.

"Eles dizem que vão tirar o filho de você, e as mulheres precisam entender que nenhum homem sai tirando o filho da mãe. Mas como elas são fragilizadas e oprimidas por esses machos, elas acreditam piamente que isso vai acontecer. E muitas vezes elas não têm um advogado que dê informações", acrescenta.

Como reflexo, Gizelly diz que também se envolveu em relacionamentos que a fizeram mal, mas que tem trabalhado sua autoestima desde então. Hoje, ela busca incentivar mulheres a terem sua liberdade financeira para não ficarem submissas ao homem. "Estamos na Terra para ajudarmos uns aos outros. Este momento de pandemia é de muita reflexão sobre o mundo e sobre nós mesmos; sobre o que realmente importa."

ROMANCE
Durante sua passagem pelo BBB 20, internautas cogitaram que Gizelly fosse bissexual por causa de sua amizade com Marcela. Para a advogada, isso não é uma novidade: desde pequena, pessoas questionavam se ela era lésbica ou bissexual.

"A vida inteira me falaram isso. Não sei se é pela voz...", pondera. Hoje, depois de algumas decepções amorosas, ela tenta evitar os padrões antigos e criou até uma lista com características do que busca: um homem desconstruído, que acredita em meus ideais, que não seja machista e que tenha orgulho de seu trabalho, entre outras qualidades. "Esse homem existe, eu só não conheci ainda. Espero que conheça, pois, ainda tenho vontade de me casar e ter filhos."

Depois de sair do reality, a advogada recebeu mensagem de uma pessoa de seu passado, que segundo ela, se enquadra no que ela espera -e que mesmo já conhecendo seus pontos fracos, ainda decidiu apostar nela. "Eu acabei de sair de um programa, preciso me cuidar, saber o que quero. Talvez eu não esteja pronta para entrar num relacionamento, porque meu emocional ainda está muito abalado. Mas estou aberta a relacionamentos, desde que se enquadre no que acredito."