Economia

Coronavírus leva todos os setores privados a cortar vagas

Segmento econômico que mais sentiu os efeitos da pandemia foi o comércio, que prevê retomada lenta

Comércio - Wilson Dias/ABR

Análise mais detalhada dos dados sobre desemprego mostram que a pandemia do novo coronavírus leva ao corte de vagas em todos os setores privados. Apenas o setor público contrata, aponta a Pnad Contínua, pesquisa domiciliar de abrangência nacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

No trimestre encerrado em abril, a pesquisa detalha que o setor mais comprometido é o comércio. No período, que inclui fevereiro, mês do carnaval e anterior ao surto da doença, houve redução de 1,21 milhão postos formais e informais.

Segundo a economista e professora do Insper Juliana Inhasz, o grande volume de demissões no varejo indica que as empresas do setor projetam uma lenta retomada do consumo, fortemente impactado pelas medidas de isolamento social. "As pessoas acabam sendo desligadas porque o empresário não sabe quando vai voltar a vender, nem como será recuperação das vendas após reabertura", afirma.

Muitos lojistas optaram pela demissão rapidamente. A vendedora Helena Torres, 53, que trabalhava em uma loja de roupa no Shopping Iguatemi, na Zona Oeste de São Paulo, viveu esse tombo do varejo. "Estava há três anos e meio desempregada, mas em dezembro do ano passado consegui uma vaga temporária. Em janeiro deste ano, fui registrada, mas pouco tempo depois veio a pandemia", diz Torres. "Por volta do dia 20 de março me mandaram ficar em casa. Uns dez dias depois me ligaram, avisando que estavam me dispensando.”

Segundo Thiago Xavier, economista da Tendências Consultoria, a demissão de um grande número de trabalhadores gera um efeito bola de neve sobre a economia. "As famílias compram menos, em parte, porque muitas delas tiveram um choque no fluxo de renda -quem não trabalha, não recebe e não consome como antes", afirma.

Em número de vagas cortas, o segundo setor mais afetado foi o da construção: 885 mil vagas eliminadas no trimestre.
Cosmo Donato, economista da LCA Consultores, lembra que a construção civil abrange não só grandes obras de infraestrutura e a construção de prédios residenciais e comerciais, mas também milhões de prestadores de serviços.

"Muitos informais sobrevivem como pintor e pedreiro, em serviços pontuais de pequenas reformas. Mas quem vai fazer uma reforma nesse momento de isolamento e de incerteza com relação à manutenção do emprego, da renda que vai obter dos negócios.”

Quem trabalha no segmento, afirma que é exatamente isso que está ocorrendo. Com todo mundo trancado em casa, ficou difícil até fazer reforma, relata o autônomo Fernando Soares, 39. "A paralisação está acabando com a gente. Não tem loja para reformar, não tem casa, não tem serviço", afirmou. "Vou ter de cancelar meu MEI [cadastro de microempreendedor individual], porque não tenho como manter aberto, pagando o valor mensal. Não estou tendo retorno.”

Inhasz, do Insper, afirmou que a situação da construção civil é péssima para um setor que não tinha se recuperado da última crise. "Essa área que vem sofrendo há muito tempo. Agora, com esse cenário vai continuar, porque a incerteza passa a ser muito grande.”

Se a redução dos dois primeiros setores está relacionada à demanda de consumo e serviço, a queda do segmento de trabalhos domésticos está atrelada ao medo da doença. O terceiro maior corte do setor privado eliminou 727 mil vagas. Manuela Silva, 39, trabalhava como cuidadora de idosos em São Paulo, mas, como lidava diretamente com pessoas do grupo de risco, tinha que ter cuidado redobrado, como ir ao trabalho com motoristas de aplicativo para evitar se expor à doença no transporte público. Isso elevou o preço do seu serviço. "Ficava caro eu viajar todo dia com motorista de aplicativo. Os familiares decidiram que eles mesmos cuidariam do idoso. Agora, não tenho ideia de quando vou voltar", disse Manuela.

Donato, da LCA, afirma que na pesquisa sobre o trimestre encerrado em março havia indicado um forte corte do número de trabalhadores domésticos com carteira assinada. Segundo ele, agora, é a vez do informal. "Era como se as famílias tivessem se antecipando ao impacto de quarentena. Agora, que a crise se agravou, você vê o impacto maior sobre o trabalhador doméstico sem carteira.”

Ana Maria de Brito, trabalha como diarista na capital paulista. Ela afirmou que está em casa, sem serviço, desde o começo de abril, só cozinhando para uma família que manteve o pagamento integral de suas diárias. "As pessoas não querem que você vá nas casas delas. Acho que não é nem tanto pela questão do pagamento, mais por medo mesmo. Tenho amiga que comenta que quando ela vai trabalhar, as pessoas saem de casa", disse.

Além das três áreas mencionadas, o segmento de alojamento e alimentação perdeu 700 mil vagas, a indústria, 685 mil, transporte, 242 mil, informação e comunicação, 219 mil, agropecuária, 157 mil, e outros serviços, 366 mil. O fim da crise do coronavírus no Brasil ainda não está no horizonte. Na sexta-feira (5), o país registrou 1.005 novas mortes em 24 horas, superando 35 mil óbitos. A maior parte das vítimas da doença está concentrada no estado de São Paulo. "Fico de mãos atadas, porque onde vou procurar [emprego]? Como vou procurar com essa quarentena? Com todas as lojas fechadas. Não sei o que eu vou fazer", disse a vendedora Helena Torres.