Quarentena aumenta ainda mais a sobrecarga doméstica das mulheres
Uma pesquisa recente realizada pelo IBGE confirmou que mulheres ainda são as maiores responsáveis por cuidados com o lar, mesmo quando possuem ocupação remunerada
Trabalhar em casa não é o sonho de todas. Por muitas vezes, a chance de sair de casa para dedicar exclusividade ao trabalho é a melhor forma de dividir o tempo entre as atividades diárias. Para as mulheres, o “home office” pode ser ainda pior. Uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o resultado de uma pesquisa que avaliou o tempo dedicado aos trabalhos domésticos no país. Mulheres continuam sendo as maiores responsáveis pelos cuidados com o lar. Só em Pernambuco, elas dedicam mais que o dobro do tempo que homens dedicam a tarefas domésticas.
No Estado, mulheres dedicam, em média, 22,3 horas às tarefas domésticas e/ou cuidado de pessoas por semana, enquanto os homens dedicam 10,8 horas. De acordo com a doutora em economia, Darcilene Cláudio Gomes, essa divisão desigual acontece por que o trabalho doméstico ainda é desvalorizado. “O trabalho de cuidar, o trabalho de manutenção, ele ainda é subvalorizado. E esse trabalho subvalorizado fica, então, sob responsabilidade das mulheres, por mais que seja um trabalho fundamental. É um trabalho que tem relação com a própria manutenção da vida na sociedade, mas ele não é um trabalho que gera um valor da forma como a gente calcula na economia, não gera um lucro. Ninguém fica rico por isso, então ele acaba sendo um trabalho desvalorizado e aí quem vai fazer esse trabalho desvalorizado são os sujeitos que dentro desta hierarquia social estão na base da pirâmide. Então são mulheres, e, na maioria das vezes, quando o trabalho doméstico é remunerado, as mulheres negras”, explicou.
Pessoas com idade a partir de 14 anos foram entrevistadas no estudo do IBGE, que contabilizou o total de 6 milhões e 104 mil brasileiros (80% do total) que realizaram afazeres domésticos na sua casa ou em casa de parente em 2019. Deste total, 2 milhões e 393 mil eram homens e 3 milhões e 712 mil eram mulheres. A discrepância fica ainda maior em Pernambuco, que registrou, em pontos percentuais, 68,3% dos homens pernambucanos que realizam tarefas domésticas, contra 90% das pernambucanas.
A pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (fundaj) salientou que agora, no momento em que as famílias estão em isolamento social, mulheres que precisam manter seus trabalhos em home-office estão sofrendo com baixa produção. “Um debate interessante agora nesse período de quarentena, diz respeito ao trabalho de mulheres cientistas. Um estudo recente mostrou que caiu expressivamente a produção das cientistas nesses últimos meses. A mulher cientista que pode trabalhar de casa está sem suporte do trabalho doméstico, porque se essa mulher é consciente e tinha uma empregada doméstica assalariada, ela dispensou a empregada assalariada para sua própria casa. Dado isso, ela teve que assumir as tarefas domésticas, isso com as crianças em casa, com o acompanhamento mais efetivo da vida escolar e tendo que atender também às demandas do próprio trabalho”, contou.
O estudo citado por Darcilene é do relatório Mulheres no Centro da Luta Contra a Covid-19, da ONU Mulheres. Publicado em abril de 2020, o relatório revela que a maioria das mulheres sofre com um maior acúmulo de tarefas. “Uma professora de uma universidade pública, por exemplo, ela continua tendo que orientar, ela continua tendo que participar de bancas, ela tem que dar conta dos prazos das pesquisas, mandar relatórios, muitas vezes tem que dar aulas online, participar dos webinários que estão acontecendo em vários lugares, tem que atender demandas específicas dos seus departamentos, inclusive demandas administrativas como participação de comissões, ou seja, ela só não está fisicamente dando aula. O resto todo ela está fazendo”, exemplificou a pesquisadora.
Além do direcionamento do trabalho que era realizado em um ambiente exterior para o ambiente do lar, as mulheres precisam ainda “dar conta” do trabalho doméstico por 24 horas. Desde a infância, mulheres são ensinadas a cuidar da casa e família enquanto homens geralmente não. Essa socialização diferenciada de meninos e meninas faz com que a mulher seja impulsionada para atividades ligadas ao cuidado e responsabilidade, tornando a sobrecarga de trabalho doméstico algo comum no decorrer da vida da mulher. “Esse peso maior do trabalho doméstico para as mulheres tem relação com essa própria estrutura que põe a mulher historicamente como responsável pela manutenção da família nesses aspectos do cuidado”, esclareceu Darcilene.
Os dados do IBGE demonstram que mulheres continuam fazendo mais trabalho doméstico que os homens, mesmo quando em iguais condições de carreira. Eles também apresentam a taxa de realização das mulheres em afazeres domésticos nas condições de cônjuge (96,3%) ou responsável pelo domicílio (93,5%). Do total de homens responsáveis pelos domicílios, apenas 77,4% realizam atividades domésticas; enquanto cônjuges, 71,1% dos homens realizam tarefas em casa. Uma diferença de mais de 20% com relação às mulheres. Na condição de filho(a) ou enteado(a), o homem apresentou os menores percentuais de participação e as maiores diferenças entre os sexos: 54,5% de homens e 80,6% de mulheres.
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O instituto levou em consideração sete afazeres domésticos no questionário: preparar ou servir alimentos, arrumar a mesa ou lavar as louças; cuidar da limpeza ou manutenção de roupas e sapatos; fazer pequenos reparos ou manutenção do domicílio, do automóvel, de eletrodomésticos ou outros equipamentos; limpar ou arrumar o domicílio, garagem, quintal ou jardim; cuidar da organização do domicílio (pagar contas, contatar serviços, orientar empregados) e cuidar dos animais domésticos.
O cuidado com a limpeza de roupas e sapatos foi a atividade de registrou maior discrepância entre os sexos em Pernambuco. 54,6% dos homens realizam essa tarefa contra 92,4% das mulheres, uma diferença de 37,8%. A taxa de realização dessa atividade entre os homens (92,2%) e as mulheres que moram sozinhos foi praticamente a mesma (92,1%). Já entre os homens em coabitação na condição de responsáveis (45,9%) ou de cônjuges (48,2%), esse percentual foi bem menor do que o das mulheres nas mesmas condições (94,2% e 95,3% respectivamente).
Entre todos os afazeres domésticos contemplados na pesquisa, o único que os homens realizaram mais do que as mulheres foi o de pequenos reparos ou manutenção do domicílio, do automóvel, de eletrodomésticos ou outros equipamentos. Nos homens o percentual é de 60,1%, para as mulheres é 40,6% A diferença percentual é de 19,6%, menor do que a nacional, que chegou a 27,5%.
Mesmo em famílias onde o trabalho é dividido com maior igualdade entre os sexos, predomina a carga mental excessiva de organização sobre a mulher. “A responsabilidade da divisão do trabalho acaba ficando apenas com as mulheres, os homens acabam obedecendo. Eles fazem o trabalho, mas eles fazem se alguma mulher manda. Mas quem tem a responsabilidade sobre a casa acaba sendo ela”, comentou Darcilene.
A pesquisadora salientou ainda que a não valorização do trabalho doméstico se dá por uma manutenção de um sistema sexista, que aparentemente não enxerga a quantidade de trabalho necessário para a manutenção da vida. “Imagina deixar de fazer esse trabalho doméstico? O que aconteceria? Acho que a gente deixaria de existir. Então, na verdade, a sociedade depende desse trabalho”, provocou.