Educação

Entidades pedem suspensão de edital do MEC para compra de livros

Elas afirmam que as regras para seleção das obras não seguem critérios técnicos e ferem leis educacionais.

Rede Nacional de Bibliotecas Comunitárias - Divulgação/RNBC

Um grupo de 118 entidades assinou uma representação para que o TCU (Tribunal de Contas da União) e o MPF (Ministério Público Federal) suspendam edital do Ministério da Educação para a compra de livros didáticos para a educação infantil. Eles afirmam que as regras para seleção das obras não seguem critérios técnicos e ferem leis educacionais.

O edital publicado em 21 de maio prevê a compra de livros didáticos e literários para crianças da educação infantil (dos 0 aos 5 anos) matriculadas na rede pública, o que representa mais de 6,3 milhões de alunos. Por considerar que as regras contrariam a legislação vigente, as entidades dizem que há "iminente risco ao patrimônio público pela malversação dos recursos". A previsão do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), responsável pela compra, é de que os livros cheguem às escolas em 2022.

A representação feita pela Abalf (Associação Brasileira de Alfabetização) argumenta que a compra e adoção de livros didáticos para crianças da pré-escola (4 e 5 anos) fere os pressupostos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases), das DCNEI (Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil) e da BNCC (Base Nacional Comum Curricular). "A adoção de livros didáticos reforça a lógica transmissiva de conteúdos escolares, mais detidamente aqueles relacionados à alfabetização e aos conhecimentos lógico-matemáticos, comprometendo a finalidade da educação infantil com o desenvolvimento integral das crianças", diz a representação.



A legislação brasileira prevê que essa etapa da educação seja voltada ao desenvolvimento de aspectos físicos, afetivos, intelectuais, linguísticos e sociais das crianças. "Práticas educativas que empregam o livro didático não apenas restringem as experiências infantis, ao priorizarem os conteúdos disciplinares, como também retiram dos professores a autonomia", diz representação. As entidades também destacam que o edital restringe as obras que poderão ser selecionadas ao determinar que os livros terão que seguir metodologia de alfabetização baseada em evidências científicas, como as das áreas das ciências cognitivas. O método é defendido pela PNA (Política Nacional de Alfabetização), lançada no ano passado por Carlos Nadalim, secretário de Alfabetização do MEC.

A PNA do governo Bolsonaro prioriza o chamado método fônico (que se concentra a atenção na relação entre sons e letras). Defensores do método fônico argumentam que há evidências científicas robustas sobre sua eficácia. "Eles entendem que essa linha, baseada apenas na neurociência e neurolinguística, é a única que tem evidências científicas, desconsiderando as outras áreas que também têm evidências científicas para a alfabetização", disse Mônica Correa, diretora da Abalf.

A restrição metodológica pode levar ao favorecimento a grupos específicos de autores e editores, segundo a representação, "o que se constitui como antidemocrático e, sobretudo, inconstitucional, fato gravíssimo para qualquer edital que envolva grande monta de recursos públicos".

Ainda não há um valor definido para o edital, já que o montante depende da adesão dos municípios ao programa. No entanto, as compras do PNLD têm orçamentos milionários. No ano passado, por exemplo, a aquisição de livros para 12 milhões de alunos dos anos iniciais do ensino fundamental custou mais de R$ 458 milhões. "Há um desvio de finalidade do edital por impor uma concepção pedagógica que é o uso do livro didático e depois por impor um material com uma única metodologia de alfabetização, ambos em desacordo com a legislação educacional. É grave por tirar a autonomia das escolas e municípios sobre como ensinar e pode favorecer determinados grupos", disse Salomão Ximenes, professor da UFABC.

A representação também destaca que a continuidade do edital pode violar o princípio de colaboração da União com os municípios, já que os secretários municipais de educação também pediram alterações nas regras. Quando a minuta do edital foi lançada em abril, a Undime (entidade que representa os secretários municipais) encaminhou pedido ao FNDE para revisão das regras e disse estar preocupada com o "enfoque preparatório para o ciclo de alfabetização" e por "desconsiderar o desenvolvimento da criança na sua integralidade" em desacordo com o que prevê a BNCC. Procurados, o MEC e o FNDE não se posicionaram sobre os questionamentos ao edital.