Desmatamento

Terras Indígenas e UCs federais concentram 72% do desmatamento para garimpos na Amazônia em 2020

O desmatamento provocado pelos garimpos ilegais nas UCs da Amazônia aumentou 80,6% nos quatro primeiros meses de 2020

Ibama faz operação em garimpo da área indígena Kayapó, no Pará - Divulgação

De janeiro a abril deste ano, 72% do desmatamento provocado por garimpos ilegais em atividade na Amazônia estavam concentrados em áreas protegidas, como Unidades de Conservação (UCs) e Terras Indígenas (TIs), segundo apontam alertas de desmatamento do Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

O desmatamento provocado pelos garimpos ilegais nas UCs da Amazônia aumentou 80,6% nos quatro primeiros meses de 2020 em comparação com o mesmo período do ano passado. Ao todo, a atividade garimpeira desmatou 487 hectares de floresta de janeiro a abril de 2019 e, neste ano, a área desmatada foi de 879 hectares. Já a área de desmatamento para garimpos ilegais dentro de TIs da Amazônia aumentou 13,4% no período de janeiro a abril de 2020, em comparação com os mesmos quatro primeiros meses de 2019.

Os dados do Deter são o pano de fundo de um relatório que o Greenpeace divulgaria nesta quinta-feira (25). O documento aponta que garimpos estão expandindo áreas de desmatamento ilegal dentro de UCs e TIs da Amazônia em plena pandemia de Covid-19 e reúne registros fotográficos da devastação ligada ao garimpo ilegal em pelo menos quatro áreas protegidas federais, feitos durante um sobrevoo na área realizado em maio.



Se, no ano passado, o garimpo foi responsável por desmatar 383 hectares nas TIs amazônicas, nos quatro primeiros meses deste ano a área desmatada nesses territórios foi de 434 hectares. De forma geral, o desmatamento nas terras indígenas aumentou 64% nos primeiros quatro meses de 2020 em comparação com o mesmo período de 2019.

O cenário motivou o Ministério Público Federal (MPF) a entrar com ação exigindo medidas do governo federal contra a mineração ilegal em TIs na Amazônia, entre elas a TI Munduruku e a TI Sai Cinza, no Pará. As quatro áreas preservadas mais desmatadas pelo garimpo na Amazônia nos primeiros quatro meses de 2020 são de gestão federal, segundo o Greenpeace: Parque Nacional (Parna) do Jamanxim, Floresta Nacional (Flona) de Altamira e as TIs Munduruku e Sai Cinza.

São imensas clareiras abertas no meio da floresta, com uma movimentação intensa de pessoas, maquinário pesado, veículos e uma ampla infraestrutura de estradas e até pistas de pouso improvisadas. Todas ficam no Pará, estado que lidera o desmatamento na Amazônia e que registrou aumento de 170% nas áreas de alerta de desmatamento do Deter de agosto de 2019 a abril de 2020, em comparação com o mesmo período dos anos anteriores.

No Parna do Jamanxim, unidade de conservação de proteção integral onde a exploração mineral é proibida, foram detectados mais de 23 hectares de desmatamento provocados pela atividade garimpeira de janeiro a abril. A Flona de Altamira é outra UC que se destaca negativamente no desmatamento ligado aos garimpos ilegais na Amazônia, apontou o Greenpeace. Lá, segundo alertas do Deter, foram desmatados mais de 13 hectares de floresta só nos primeiros quatro meses deste ano.

TIs Munduruku e Sai Cinza concentram 60% do desmatamento em 2020 Entre as terras indígenas mais desmatadas em decorrência da atividade garimpeira na Amazônia em 2020, a TI Munduruku e a TI Sai Cinza, ambas habitadas pelo povo mundurucu, são as que mais preocupam. Juntas, as duas concentram 60% dos alertas de desmatamento para garimpo em TIs da Amazônia identificados pelo Inpe entre janeiro e abril deste ano, aponta o Greenpeace. Na TI Sai Cinza o desmatamento para garimpo começou neste ano, com pouco mais de 21 hectares desmatados de janeiro a abril. As imagens do sobrevoo realizado pelo Greenpeace dias 12 e 13 de maio, que flagraram a presença de tratores, retroescavadeiras hidráulicas e estradas abertas há pouco tempo, sugerem que o garimpo ali é recente.

Equipamentos e maquinário também foram fotografados na TI Munduruku, onde a situação é ainda mais alarmante: lá foram desmatados 241 hectares de floresta nos primeiros quatro meses de 2020, 58% mais que no mesmo período do ano passado, segundo dados do Deter. A disputa entre garimpeiros e índios mundurucus existe há mais de quatro décadas. A primeira incursão de garimpeiros em busca de ouro começou em 1980, mas os indígenas conseguiram expulsar os invasores. No entanto, em meados de 2010 os garimpeiros retornaram, invadindo terras ocupadas por dezenas de aldeias indígenas e cooptando índios para trabalharem nos garimpos ilegais. Na TI Munduruku os indígenas já perderam controle de parte do território. Agora, a preocupação tem mais um motivo: os aumentos dos casos de Covid-19.

Liderança mundurucu, Alessandra Korap defende a demarcação de todos os territórios indígenas como medida fundamental para a defesa dos direitos dos índios, mas reconhece que esse demorado processo não é suficiente para garantir isso. "Por isso é que não somos a favor da legalização da mineração em terras indígenas. Nem conseguiram concluir o reconhecimento de um território e já querem explorar", disse Korap.

Para ela, o momento não é de discutir a mineração em terras indígenas, mas sim de discutir a homologação das TIs ainda não homologadas e a proteção das homologadas, de forma a proteger a população indígena, também, do coronavírus, que chegou a muitos povos indígenas levado por uma invasão de garimpeiros. "Estamos fazendo uma campanha para montar um hospital de campanha dentro da aldeia, arrecadando material hospitalar, e vamos pedir ao Governo do Pará que contrate profissionais de saúde para atender na aldeia, porque os índios não querem vir para a cidade. Eles estão com medo", contou.

Outra área protegida afetada que sofre com o aumento da pressão do garimpo ilegal é a TI Yanomami, nos estados de Roraima e Amazonas. Temendo que a expansão da atividade garimpeira em meio à pandemia colabore para a disseminação de casos de Covid-19 entre indígenas, lideranças ianomâmi e ye'kwana lançaram a campanha #ForaGarimpoForaCovid, que cobra a retirada dos mais de 20 mil garimpeiros que estão na terra indígena.

A TI Yanomami está no ranking das TIs mais vulneráveis para a Covid-19, segundo levantamento feito pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que calculou que, no pior cenário, 5.600 dos 13.800 ianomâmis (40% do total) podem se infectar, e o número de mortes pode chegar a 896 indígenas.

FLEXIBILIZAÇÃO ENFRAQUECE PROTEÇÃO AMBIENTAL
Para a coordenadora da campanha Amazônia do Greenpeace, Carol Marçal, o cenário alarmante é reflexo de medidas adotadas pelo governo federal que flexibilizam a legislação ambiental e as normas infralegais, enfraquecendo a proteção ambiental e violando direitos indígenas em plena pandemia.

Entre essas medidas estão os Projetos de Lei (PL) 191/2020, que pretende permitir a exploração mineral e hídrica em terras indígenas, e o PL 2633/2020, que, segundo o Greenpeace, vai permitir a legalização de grilagens feitas em terras públicas até dezembro de 2018.

Há ainda a instrução normativa (IN) 09/2020, da Fundação Nacional do Índio (Funai), que está sendo contestada por lideranças indígenas de todo o país por, segundo elas, estimular a ocupação de territórios indígenas em processo de demarcação por pessoas não indígenas. "Todas essas medidas têm um reflexo imediato, que é a intensificação dessas atividades ilegais", afirmou Carol Marçal. Ela lembra ainda que os invasores são possíveis vetores de doenças para os indígenas, "o que, em um contexto de epidemia, é ainda mais alarmante".

"Dada a velocidade da disseminação da Covid-19 e seu avanço nas terras indígenas da região, é urgente que o Estado brasileiro responda aos alertas emitidos pelas lideranças indígenas e pelo Inpe, sob pena de testemunharmos um novo genocídio indígena." A reportagem entrou em contato com o Ibama e a Funai, mas nenhum dos órgãos respondeu às perguntas até a conclusão deste texto.