Reforma constitucional de Putin mostra lacuna geracional na Rússia
As 61% das pessoas com entre 18 e 24 anos estimam que "a Rússia não está indo na direção certa" e apenas 33% apoiam as reformas da Constituição
Liudmila Yudina, de 81 anos, ortopedista aposentada e defensora de Vladimir Putin, briga há semanas com seus dois netos, que são contra a reforma constitucional promovida pelo presidente russo.
As emendas apresentadas aos russos no referendo de 1º de julho - que incluem extensão dos mandatos do presidente, fé em Deus, rejeição ao casamento gay e patriotismo - mostram o primeiro hiato geracional desde a queda da URSS, de acordo com sociólogos.
"Eu explico [aos meus netos] que não há nada de criminoso nessas emendas, que ele é o primeiro presidente de quem não devemos ter vergonha, que é firme e sabe como defender nosso país no exterior", diz Liudmila, depois de uma refeição em família em sua dacha (casa de campo) em Andreevskaya, a 50 quilômetros de Moscou.
Mas, de acordo com a octogenária, "infelizmente, a nova geração está do lado do Ocidente, em vez de preservar os valores característicos russos". Essa avó escolhe suas palavras para explicar a Ivan, de 19 anos, e Ilia, 20, que o artigo reservado ao casamento entre um homem e uma mulher procura defender "a verdadeira família".
Ivan opina que "são os jovens que terão que viver com esta Constituição" e que eles não querem uma "Rússia totalitária ainda mais conservadora e que exibe sua força". Ilia, estudante da prestigiada Universidade Lomonossov de Moscou, está indignada com essa reforma de "fachada" e cujo "objetivo principal" é garantir que Putin permaneça no poder até 2036, quando terá 84 anos.
Para ela, os idosos estão condicionados desde os tempos soviéticos pelo discurso e propaganda oficiais divulgados pela mídia pública. Seu caso não é o único. Segundo pesquisas, a maioria dos russos entre 18 e 24 anos está insatisfeita com a política adotada, diz o sociólogo Alexéi Levinson.
No entanto, esse mesmo grupo etário conhece apenas um presidente: Vladimir Putin. Um estudo do instituto independente Levada-Center mostra que 61% das pessoas com entre 18 e 24 anos estimam que "a Rússia não está indo na direção certa" e apenas 33% apoiam as reformas da Constituição, em comparação com 45% que se opõem a ela.
- Referendo vergonhoso -
No lado oposto da pirâmide etária, 65% dos russos com mais de 65 anos consideram o país no caminho certo, 71% são favoráveis às emendas e 11% contra.
"A nova geração prefere as liberdades individuais aos valores tradicionais e não aprecia esse poder imutável", explica Levinson. Um dos porta-vozes desta geração é a estrela da internet Yury Dud, de 33 anos, que ganhou fama por seus documentários on-line. Um deles acumulou 18 milhões de visualizações em fevereiro, expondo a devastação do HIV na Rússia e denunciando a indiferença das autoridades.
Em 20 de junho, Dud denunciou no Instagram "um referendo vergonhoso" que visava apenas prolongar o reinado de Putin. O post recebeu mais de um milhão de curtidas. Svetlana Khokhlova, de 50 anos, ex-deputada conservadora do distrito de Istra, perto de Moscou, estima que essa oposição juvenil se deve principalmente à "propaganda antirussa".
Para alcançar jovens que pouco se informam por meio da mídia tradicional, essa militante ortodoxa tem como missão explicar nas redes sociais a importância de ir votar. "É simples: aqueles que hoje são contra a Constituição de Putin não conheceram a URSS como uma superpotência e não conheceram o desastre dos primeiros anos pós-soviéticos", explica à AFP.
"Tenho três netos [...] e não quero que meus bisnetos sejam pessoas sem gênero, nacionalidade ou pátria", resume com lágrimas nos olhos. No entanto, ela pode ficar tranquila, pois a oposição juvenil não deve impedir a adoção das reformas por uma grande maioria no dia 1º de julho.