Brasil

Ministros e procuradores apostam em decisão contra Flávio Bolsonaro em instância superior

Investigação contra filho do presidente retornaria ao juiz de primeira instância, Flávio Itabaiana

Flávio Bolsonaro - Pedro França/Agência Senado

O foro especial concedido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na investigação sobre a prática de "rachadinha" em seu gabinete de deputado estadual pode não durar muito tempo.

Reservadamente, ministros de tribunais superiores avaliam que a decisão da corte fluminense desrespeitou a jurisprudência atual do STF (Supremo Tribunal Federal) e pode ser derrubada pelos tribunais de Brasília.

Assim, o caso retornaria ao juiz de primeira instância, Flávio Itabaiana, titular da 27ª Vara Criminal do RJ, que já quebrou sigilos de Flávio e mandou prender Fabrício Queiroz, ex-assessor do parlamentar. Advogados criminalistas ouvidos pela reportagem também dizem acreditar que o TJ-RJ foi na contramão da restrição do foro especial determinado pelo Supremo em 2018.

No mundo político, a decisão foi recebida com críticas. Isso porque o chefe do Executivo e seus parentes eram críticos contumazes do foro por prerrogativa de função, que, agora, é usado como argumento contra investigação que preocupa a família.

O filho do presidente Jair Bolsonaro é investigado sob suspeita de ter liderado uma associação criminosa para desviar parte dos salários dos servidores de seu gabinete como deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Em operação no último dia 18, Queiroz, que seria o responsável por recolher os pagamentos dos funcionários e é amigo do chefe do Executivo desde 1984, foi preso. O filho de Bolsonaro foi deputado estadual de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.
Na quinta-feira (25), porém, os desembargadores da 3ª Câmara Criminal julgaram habeas corpus de Flávio e, por dois votos a um, decidiram que o senador tem foro especial no Órgão Especial do TJ-RJ.

Assim, caso a decisão seja mantida, Itabaiana terá que "dar baixa no processo" e encaminhar os autos ao Órgão Especial, onde a relatoria será sorteada entre os 25 desembargadores que compõem o colegiado.

O Ministério Público do Rio de Janeiro ainda estuda como recorrer. O órgão alegará que o entendimento dos desembargadores contraria decisão do STF, que restringiu o foro apenas para delitos cometidos durante o mandato e em função do cargo.

Assim, Flávio só teria direito a ser julgado pelo Órgão Especial do TJ-RJ se ainda fosse deputado estadual atualmente.
Na visão do MP-RJ, o caso não se enquadra nos critérios estabelecidos pelo Supremo para justificar o tratamento diferenciado, devendo o processo retornar à primeira instância.

Uma hipótese é apresentar esses argumentos ao Superior Tribunal de Justiça, que, neste caso, já decidiu em favor das autoridades de primeira instância e contra o filho do presidente. Em abril, Flávio Bolsonaro pediu para o STJ suspender as investigações sob argumento de que teria tido os sigilos bancário e fiscal quebrados sem autorização judicial.

O ministro Felix Fisher, porém, negou o pedido. No tribunal, a aposta é que, com isso, o magistrado tenha se tornado o relator automático de todos os recursos relacionados à apuração da "rachadinha" que chegarem ao STJ. Fisher é relator da Lava Jato na corte e é conhecido por ser um juiz linha dura.

Um temor dos investigadores, porém, é que a decisão sobre o caso fique com o presidente do STJ, ministro João Otávio de Noronha, que responderá pela corte durante o recesso em julho. O magistrado tem dado decisões favoráveis ao governo e trabalha para ser indicado a uma vaga no STF.

Outra alternativa seria ignorar o STJ, tribunal imediatamente superior à segunda instância do TJ-RJ, e entrar direto com uma reclamação no STF por descumprimento da jurisprudência da mais alta corte do país.

Uma terceira estratégia seria entrar com embargos na própria corte fluminense. Mesmo se o MP-RJ não recorrer ao Supremo, porém, a corte pode analisar o caso. Isso porque o partido Rede Sustentabilidade já apresentou uma ação em que pede a revisão da decisão do tribunal fluminense.

No STF, o ministro Marco Aurélio já rejeitou um pedido de Flávio, apresentado nos primeiros dias como senador, em fevereiro de 2019, para que ele tivesse direito ao foro. Desde 2018, explicou o magistrado, a prerrogativa de foro a parlamentares só vale para supostos delitos cometidos em função do cargo e no exercício do mandato.

Ainda segundo o Supremo, o caso só pode permanecer no tribunal em que tramitou, após a perda de mandato, quando a instrução do processo já tiver sido encerrada, o que não é o caso de Flávio, em que a apuração está aberta. O professor de Direito da FGV em São Paulo Celso Vilardi classifica a decisão é "espantosa". "A jurisprudência é absolutamente pacífica, o STF decidiu que casos que não aconteceram durante o mandato devem ser julgados perante primeira instância", diz.

Única alternativa para justificar a decisão, afirma o professor, seria se o processo envolvesse um deputado estadual em exercício. Até o momento, porém, a defesa de Flávio não alegou haver conexão entre a apuração contra o atual senador e outro parlamentar.

Advogada criminalista e doutoranda em direito penal, Anamaria Prates segue a mesma linha e diz que a decisão deve ser revista por tribunais superiores. Ela explica que, se a decisão do TJ-RJ for mantida, os desembargadores deverão decidir se os despachos do magistrado de primeira instância valem ou se serão anulados por terem sido assinados por magistrado incompetente para julgar o processo.

O juiz Flávio Itabaiana foi o responsável, por exemplo, por determinar a quebra dos sigilos bancário e fiscal do senador e de outras 103 pessoas e empresas. Também foi ele que decretou a prisão de Queiroz, que foi detido em propriedade de Frederick Wassef, que até então era advogado de Flávio, em Atibaia, no interior de São Paulo.

O professor e doutor em direito Paulo Amador Bueno discorda dos colegas. Segundo ele, o instituto do foro privilegiado existe para resguardar ocupantes de mandatos eletivos de julgamentos imparciais feitos por um único magistrado, por isso a remessa desses casos a colegiados de instâncias superiores. "Ele não deixou a função pública, ele mudou de mandato eletivo", diz.