Decotelli diz que fica, e Bolsonaro chama erros em currículo de 'inadequações'
Graduações do novo ministro da Educação foram contestadas pelas referidas instituições
Após encontro com o presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli, negou que tenha cometido plágio em dissertação de mestrado e disse que continua à frente do cargo. Em seguida, Bolsonaro escreveu em rede social que "por inadequações curriculares o professor vem enfrentando todas as formas de deslegitimação para o ministério”.
"O Sr. Decotelli não pretende ser um problema para a sua pasta (Governo), bem como, está ciente de seu equívoco", disse o presidente. "Todos aqueles que conviveram com ele comprovam sua capacidade para construir uma Educação inclusiva e de oportunidades para todos", afirmou.
Apesar das declarações que indicam apoio ao ministro, o presidente pediu, nesta segunda-feira (29), a deputados e assessores indicações de nomes para substituí-lo. Em entrevista, na frente do Ministério da Educação, o ministro não disse para quando será remarcada a cerimônia de posse, que foi suspensa nesta segunda. Afirmou que essa é uma questão de protocolo da Presidência da República.
"Eu sou ministro e tenho trabalhos agora. Vou ficar até de noite sabe para quê? Para tentar corrigir os ajustes de Enem e de Sisu. E das demandas grandes", disse Decotelli no início da noite desta segunda. Segundo ele, na audiência no Palácio do Planalto, Bolsonaro o questionou sobre inconsistências em seu currículo. "Não houve plágio, porque o plágio é considerado quando o senhor faz Cltr C e Cltr V. Não foi isso [que aconteceu]", disse. "No mestrado, não houve plágio", ressaltou.
O ministro reconheceu que se referiu em seu trabalho de mestrado na FGV (Fundação Getulio Vargas) a trechos de um relatório da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), mas que respeitou o percentual permitido de citações. "[Houve] em um percentual que poderia ter sido feito no que estava na informação do relatório técnico. Quanto você pode fazer em um trabalho de citação em termos de caracterizar se houve plágio ou não? Isso varia de acordo com a entidade da validação", disse.
Irritado com as revelações, o presidente passou a avaliar desde a tarde desta segunda uma troca na direção da pasta.
Durante a manhã, após a suspensão da cerimônia de posse, a cúpula militar, que bancou a escolha, ainda tentava reverter uma demissão do novo ministro. Aliados do presidente mais próximos do ex-ministro Abraham Weintraub entraram em contato com Bolsonaro para convencê-lo a indicar outro nome para o ministério.
A pressão foi reforçada por deputados bolsonaristas, aliados dos filhos do presidente, que sugeriram que ele faça uma nova rodada de sondagens. Com o movimento de Bolsonaro, parcela do núcleo fardado, que apadrinhou a nomeação Decotelli, indicou recuar do apoio à sua permanência no cargo.
Para evitar que o grupo de Weintraub emplaque o novo ministro, no entanto, militares palacianos passaram a articular um nome alternativo. Para o lugar de Decotelli, a cúpula militar passou a sugerir o professor Marcus Vinicius Rodrigues, ex-presidente do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Já o grupo próximo ao ex-ministro voltou a defender os nomes do secretário de Alfabetização do Ministério da Educação, Carlos Nadalim, e do presidente da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), Benedito Aguiar.
O primeiro chegou ao cargo por indicação do escritor Olavo de Carvalho, guru dos filhos do presidente. O segundo tem forte respaldo da bancada evangélica, um dos pilares de sustentação do governo. Apesar de já ter pedido sugestões, o presidente sinalizou que só irá oficializar uma troca quando for concluído pente-fino feito pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no currículo de Decotelli.
A cúpula militar ficou decepcionada com as evidências de equívocos no currículo do atual ministro. Um general lembrou que a honestidade é um dos valores mais caros no código de conduta da carreira militar. A nomeação de Decotelli foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União na quinta-feira (25), após anúncio feito pelo presidente. O governo planejava uma solenidade de posse nesta terça-feira (30), mas a realização do evento foi adiada.
Segundo relatos feitos à reportagem, Bolsonaro ficou incomodado com a repercussão negativa dos erros no currículo de Decotelli e de acusações de plágio. O mandatário se queixou de que não houve a repercussão positiva esperada com a nomeação de um nome técnico e que, nas redes sociais, o tema se converteu em novo flanco de desgaste. Decotteli foi escolhido para suceder Weintraub, que deixou o cargo após uma série de polêmicas com o STF (Supremo Tribunal Federal).
A nova análise no currículo do ministro, ordenada por Bolsonaro, serve para apurar se há mais inconsistências. O próprio Decotelli demonstrou nesta segunda preocupação com sua permanência e identificou perseguição da imprensa. A reportagem solicitou entrevista com o ministro, mas não obteve retorno. A avaliação nos bastidores é de que, mesmo que seja mantido no cargo, o novo chefe do MEC chega enfraquecido à pasta, palco de disputas entre grupos divergentes do governo.
Constava no currículo de Decotelli um doutorado pela Universidade Nacional de Rosario, da Argentina, mas o reitor da instituição, Franco Bartolacci, negou que ele tenha obtido o título, informação antecipada pelo jornal Folha de S.Paulo.
Há ainda sinais de plágio na sua dissertação de mestrado. Além disso, a Universidade de Wuppertal, na Alemanha, informou que o novo ministro não possui título da instituição, ao contrário do que constava em seu currículo, que mencionava um curso de pós-doutorado.
Conforme noticiou o UOL, o Ministério Público junto ao TCU (Tribunal de Contas da União) entrou com representação pedindo apuração do órgão de possíveis prejuízos ao erário da nomeação do novo ministro. Decotelli fez parte da transição do governo no grupo, de forte presença militar, que discutia educação. Com a indicação de Ricardo Vélez Rodríguez para o comando da pasta, ele assumiu o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
Deixou o cargo em agosto de 2019 depois que o governo negociou a entrega do cargo a nome indicado de partidos como DEM e PP. Rodrigo Sergio Dias seria demitido no fim de 2019 e, após gestão de funcionária de carreira,o órgão voltou para o centrão neste ano. O professor da FGV Marcus Vinicius Rodrigues também fez parte do grupo de educação da transição de governo e presidiu o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais) até março de 2019. Para Rodrigues, o tema já foi superado e Decotelli vai permanecer.
"Decotelli é um dos maiores e mais sérios professores do País. Existem erros que seria ideal que não tivessem ocorrido, mas isso não mancha a postura e história do Decotelli", diz Rodrigues. "Acho que está tudo esclarecido. O Decotelli deve, para o bem do Brasil, ficar no governo. Precisamos de um gestor, negociador, e ele é um grande gestor e negociador.”
Rodrigues afirma que a posse dele vai ocorrer a depender da agenda do presidente. "Temos hoje um ministro indicado pelo presidente da República, continua ministro e está sendo definida a posse dele.” A assessoria de imprensa do MEC disse, na sexta-feira (26), que Decotelli concluiu os créditos das disciplinas necessárias para a obtenção do título de doutor na Universidade Nacional de Rosário.
Ele também negou as acusações de que teria cometido plágio em sua dissertação de mestrado e afirmou que revisará o trabalho. "Em nenhum momento a Secom confirmou o evento à imprensa e, até agora, não há previsão para essa cerimônia", afirmou, nesta segunda, o Planalto sobre a posse do novo ministro.