Em meio à crise editorial, canais fortalecem literatura na internet
Seja nas redes sociais ou plataformas de streaming, os canais de discussão em torno de escritores, obras e gêneros literários têm feito resistência no ambiente virtual
Livrarias fechadas, feiras canceladas ou adiadas e autores com lançamentos sem previsão para chegar às prateleiras. Há meses, a rotina no mercado editorial tradicional não se altera. Em meio a uma perspectiva negativa em torno da literatura, o interesse em trocar, compartilhar e disseminar informações de movimentos literários também vem se intensificando como uma forma de dar impulso à arte - considerada uma das mais frágeis na contemporaneidade.
Seja nas redes sociais ou plataformas de streaming, os canais de discussão em torno de escritores, obras e gêneros literários têm feito resistência no ambiente virtual.
Sem imaginar que estaríamos isolados socialmente por causa de uma pandemia, a poetisa Cida Pedrosa queria voltar a compartilhar suas leituras. Há 10 anos, ela já tinha um espaço virtual com dedicação à literatura, mas foi com o canal Fresta, no Youtube, que retomou as atividades. “Há um ano, venho publicando os vídeos no canal, mas com a pandemia tive mais tempo e fôlego para produzir os conteúdos. O canal já tem 1,2 mil inscritos e tem sido bacana porque tem muita gente entrando, curtindo e comentando lá. Estou gostando muito de fazer e as gravações são em casa mesmo”, explica a poetisa.
Como o próprio nome diz, Fresta tem vídeos curtos em que Cida faz leitura de clássicos antigos, raridades e nomes atuais da literatura. Ela divide o canal em quatro playlists: “No começo, a ideia era de que falasse apenas de mulheres, então criei uma playlist feminina. A primeira leitura é de Luna Vitrolira, finalista do Prêmio Jabuti, que tem a força da nova literatura. As outras se dividem em literatura e política, raridades e uma playlist geral”, conta a autora, que abraça uma coletânea diversa e, por vezes, rara na sua estante. “Já li e comentei Arnaldo Tobias, e Edwiges Pereira, a primeira mulher a ocupar cadeira na Academia Pernambucana de Letras, e super importante para o feminismo”, enfatiza Pedrosa.
Pré-pandemia
Se em “Fresta”, os seguidores podem compartilhar e adentrar no universo literário, o canal “Estudos em Escrita Criativa”, da escritora, artista e professora Patrícia Tenório, ajuda a melhorar as ferramentas de narrativa de quem o acompanha. “Eu comecei esse curso, na verdade, em 2018. Eram cursos mensais, com temáticas que falavam de mito, tempo, viagem e música. Esse curso virou extensão na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e depois a nossa especialização. Em 2019, no final do ano, tive a ideia do curso on-line, quando nem fazíamos ideia do que iria acontecer agora”, explica Tenório, que possui um canal no Youtube, no Instagram e um site com os módulos.
O curso é uma espécie de jornada literária, onde os alunos vão conhecendo diferentes tipos de literatura, como a japonesa, inglesa, portuguesa, brasileira e do leste europeu. O material envolve teoria e prática, em estímulo à produção escrita dos participantes: “No total, são oito módulos, mas só conseguimos gravar seis por causa da pandemia. Os interessados têm o acesso gratuito e também você pode começar no momento que você quiser. Tem gente que está começando agora. Os exercícios são as práticas das oficinas literárias para provocar a escrita. A parte prática conta com esses exercícios de desbloqueio”, frisa Tenório, que conta com Jaine Cintra, Juliana Aragão e Mariana Guerra na produção dos vídeos.
Literatura Negra
Natural da favela de Ilha do Rato, em Olinda, na Região Metropolitana do Recife, o historiador Messias Martins decidiu criar o Literanegra em 2016, quando entrou na graduação. O canal, disponível no Youtube, discute a produção de escritores e escritoras negras.“Eu trabalhava como livreiro em algumas livrarias e frequentemente as pessoas me pediam indicação de livros. Eu procurava no Youtube sobre os canais de literatura, quando foi notando que não havia nenhum recorte racial nesses espaços. Era como se os negros não escrevessem livros e não discutisse sobre leituras”, conta o criador do espaço virtual.
Embora tenha sido criado há quatro anos, ele deu uma pausa no canal por falta de equipamentos. No início ele gravava os vídeos em um celular e editava o material em um computador velho, que chegaram a quebrar. Foi quando houve a retomada no meio do ano passado. “A gente tem um ponto de partida no canal, que é a análise de obras de escritores e escritoras negras. Com a missão escurecida, que é popularizar a literatura dos nossos. Nós pegamos uma obra específica e destrincha sobre o autor, de onde ele vem, o que estava acontecendo no mundo e quando escreveu, para quem ele escrevia a obra. Já trabalhamos com vários livros, principalmente de Conceição Evaristo, Ângela Davis e Carolina Maria de Jesus”, enfatiza Messias.