Mercosul

Em cúpula, Lacalle Pou defende Mercosul sem alinhamento com EUA ou China

As regras do Mercosul apenas permitem que acordos de livre comércio sejam fechados com a anuência dos quatro integrantes, o que na prática trava as ambições uruguaias

LVI Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul e Estados Associados (videoconferência) - Marcos Corrêa/PR

No dia em que assumiu a presidência rotativa do Mercosul, o presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, afirmou que o bloco não pode, diante da queda de braço global entre Estados Unidos e China, optar por ficar mais próximo de uma das potências mundiais em detrimento da outra.

"Quero ser muito claro no que diz respeito aos EUA e à China. Não podemos cair na falsa dicotomia de estar mais próximos de um do que outro. Os países que triunfaram no seu desenvolvimento estiveram próximos dos dois", declarou Lacalle Pou nesta quinta-feira (2), durante a cúpula do Mercosul.


A reunião dos chefes de Estado de Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai ocorreu de forma virtual pela primeira vez na história, em razão da crise do novo coronavírus. Também participaram os presidentes do Chile (Sebastián Piñera), da Colômbia (Iván Duque) e da Bolívia (Jeanine Añez).

Na ocasião, o paraguaio Mario Abdo Benítez passou a presidência temporária do bloco a Lacalle Pou. Ao destacar a necessidade de um posicionamento equidistante do Mercosul entre China e EUA –que protagonizam as maiores disputas nas áreas de comércio e tecnologia -, a fala de Lacalle Pou foi interpretada por membros do governo Jair Bolsonaro como uma queixa em relação à política de alinhamento automático do Brasil com os Estados Unidos.

Além de defender posições dos americanos, o chanceler Ernesto Araújo é criticado por integrantes da ala pragmática do governo por declarações e ações que irritaram os chineses, hoje os maiores parceiros comerciais do Brasil. Auxiliares do uruguaio, no entanto, negam essa versão e dizem que Lacalle Pou apenas explicitou uma posição consolidada de seu partido na área de política externa.

Negociadores brasileiros ouvidos pela reportagem avaliam, sob condição de anonimato, que o presidente do Uruguai buscou enviar uma sinalização para o setor exportador de seu país. Segundo esses interlocutores, os uruguaios pleiteiam há tempos a assinatura de acordos comerciais com a China e com os Estados Unidos, potenciais destinos das exportações de carne do país sul-americano.

As regras do Mercosul apenas permitem que acordos de livre comércio sejam fechados com a anuência dos quatro integrantes, o que na prática trava as ambições uruguaias. Tanto o Brasil quanto a Argentina rechaçam permitir um entendimento do Uruguai com os chineses, com medo de que produtos do gigante asiático acabem entrando sem impostos em seus países através do país vizinho, numa espécie de triangulação.

Os Estados Unidos, por outro lado, rejeitam uma negociação comercial com o Mercosul e trabalham por entendimentos bilaterais, sendo que a prioridade é o Brasil. Em sua fala, Lacalle Pou também argumentou que o Mercosul deve aprofundar sua relação com os chineses.

"A China manifestou formalmente a vocação de aprofundar as relações com o Mercosul. Creio que existe uma espécie de omissão do nosso bloco em responder adequadamente a essa formalidade", afirmou. "Nós, no nosso país, temos a convicção de que esse fortalecimento será para o bem da região. Pensemos na Ásia de 2050 e na China. Pensemos na quantidade e na qualidade de alimento que vão precisar, e voltemos rapidamente à nossa região, a grande produtora de alimentos."

O Mercosul atualmente está dividido entre as posições pró-abertura de Brasil, Uruguai e Paraguai e o protecionismo da Argentina, governada pelo peronista Alberto Fernández. Nesse sentido, o Brasil defende que haja uma flexibilização de normas do bloco para que acordos comerciais possam ser discutidos sem o consenso dos quatro membros, como uma forma de acelerar esses entendimentos.

A posição brasileira é partilhada por paraguaios e uruguaios. Nesta quinta, um dos trechos da declaração de Lacalle Pou foi interpretado por diplomatas brasileiros como uma sinalização de que o Uruguai pretende trabalhar por uma maior flexibilidade nas regras do Mercosul.

"Os consensos às vezes podem significar lentidão. E por isso o consenso no Mercosul deve ser pragmático, que tenha a capacidade de analisar, de prever e de reagir nos tempos do mundo. Porque se isso [consenso] significar discussões quase que acadêmicas, o mundo vai passar por cima de nós", afirmou o líder uruguaio.