Economia

Investidores buscam oportunidades no Brasil com pandemia e juro baixo

Esse grupo reúne fundos institucionais e os chamados family offices, empresas fechadas que fazem a gestão de patrimônio de famílias ricas

Economia - Pixabay

A crise derivada da pandemia do coronavírus derrubou os níveis de investimento e o número de fusões e aquisições no país, que vinham em ritmo acelerado. No entanto, abriu espaço para investidores qualificados, com caixa e visão de longo prazo. Esse grupo reúne fundos institucionais e os chamados family offices, empresas fechadas que fazem a gestão de patrimônio de famílias ricas, além de grandes grupos que querem ampliar presença nos setores em que já atuam.

Eles têm ido às compras em setores que consideram estratégicos, seja porque mantêm demanda mesmo durante a recessão, seja porque têm ativos com preço baixo e boas perspectivas de retomada pós-pandemia. Na lista de segmentos que despertam interesses, estão saúde, educação, agronegócio, tecnologia e infraestrutura, com destaque para saneamento e redes de telecomunicação.


O movimento de fusões e aquisições havia começado 2020 em ritmo acelerado. Foram 89 transações no mês, 68% a mais que a média dos últimos cinco anos. Mas o ritmo de negócios sofreu desaceleração com o agravamento da pandemia, de acordo com a PwC Brasil, que monitora os negócios anunciados. O total de transações chegou ao seu índice mais baixo em abril. Foram 46, queda de 21% em relação ao mesmo mês de 2019. Porém, o número voltou a crescer em maio, quando foram divulgadas 59 transações. No acumulado do ano, há estabilidade em relação a 2019.

O cenário local de juros baixos derrubou a atratividade de investimentos de renda fixa, menos arriscados, e serviu de estímulo para que investidores mais qualificados buscassem alternativas. "Esse patamar de juros veio para ficar, e todos precisam se adaptar ao ganho baixo com capital parado. O setor financeiro e a alocação de capital mais arriscada ganham atratividade", diz Julio Erse, diretor da Constância Invest.


Apesar da crise, investidores com caixa têm saído às compras, segundo Felipe Setter, da Setter Investimentos. "Quem tem visão estratégica entende que as premissas econômicas de certos setores, como infraestrutura, podem levar a uma recuperação a médio e longo prazo", diz.


"Há quem tenha dinheiro e verifica que, devido à crise, há empresas em setores que iam bem, passaram a ter dificuldades de caixa agora devido à pandemia e, consequentemente, estão baratas." De uma maneira geral, momentos como o atual também beneficiam as grandes redes que têm maior eficiência na operação e que tenham mantido caixa, de acordo com Luis Gustavo Pereira, sócio da Guide Investimentos.


Entre os setores que mais se destacam está o da saúde. Os hospitais particulares, que em geral vinham em um ritmo de crescimento e tinham rentabilidade elevada, passaram a sofrer queda de receita em meio à pandemia. "Eles estão sofrendo com a crise porque deixaram de ter público para cirurgias e exames de alta complexidade, com maior margem. Os planos, que tiveram alta de inadimplência, também deixam de fazer repasses", diz Leonardo Dell'Oso, sócio da área de fusões e aquisições da PwC.


Esse cenário adverso criou oportunidades para os operadores mais bem posicionados, de acordo com ele.
"O maior custo dos planos de saúde é com hospitais, que vinham aumentando os custos havia anos. Os que têm caixa têm aproveitado o momento para avaliar a compra de hospitais. Os que têm mais de cem leitos têm interessados", diz Leonardo Nascimento, sócio da Urca Investimentos.

"Os hospitais de médio porte que estejam na região em que um grande plano passa a ter um hospital acabam perdendo clientela e passam a ter uma pressão para a venda", afirma Dell'Oso. Além disso, há um movimento de busca por hospitais voltados a procedimentos mais simples, sem a necessidade de internação, e com custos menores, de acordo com Leonardo Dell'Oso, sócio da área de fusões e aquisições da PwC.


Grandes redes de outros setores de saúde, como companhias de laboratórios, também têm buscado ativos hospitalares. "A estratégia é diversificar o risco. A Dasa, por exemplo [gigante do setor laboratorial], tem tido como pilar de sua estratégia as aquisições de hospitais", diz. Ainda nesse segmento, fundos têm buscado adquirir redes de clínicas especializadas, afirma Leonardo Nascimento.

"Tem muita rede de clínica familiar com uma boa clientela, mas sem gestão profissionalizada. Isso é uma oportunidade para o investidor adquirir e maximizar a margem. O Grupo Opty, de clínicas de oftalmologia, é um exemplo de consolidadora", afirma ele.

O Opty, que tem 40 unidades, tem como sócio o Pátria. Áreas como oncologia, reumatologia, oftalmologia e nefrologia são atrativas, de acordo com Felipe Setter, da Setter Investimentos. "Temos visto consolidação em especial porque muitas clínicas são familiares e têm um problema de sucessão", afirma Bruno Carvalho, da Pantalica Partners.


A área da educação privada também sofreu com o impacto da crise, que aumentou a inadimplência do segmento e deve congelar ou reduzir os valores das mensalidades. O ensino básico sofreu mais porque não estava totalmente preparado para o ensino a distância como as operadoras de ensino superior, diz Dell'Oso.


"Grandes cadeias, como a Marista, seguem em movimento de consolidação, em busca especialmente de colégios com mensalidades mais elevadas", diz ele. Para Leonardo Nascimento, embora o segmento tenha tido uma explosão da inadimplência, a tendência é de acomodação nos próximos meses.


"No caso da educação básica, há certa resiliência em escolas com mensalidades mais altas, que têm substituição de alunos, mas mantêm taxa de ocupação. Nos tíquetes menores, a decisão do consumidor é entre o filho ficar na escola e ir para a escola pública." A característica que atrai o investidor institucional para o setor é a possibilidade de fidelização por longo prazo, diz.


"Há alunos que podem ficar até 12 anos na mesma escola, o que mitiga os riscos do negócio. Como o setor é pulverizado, com escolas fundadas por professores e sem sofisticação de gestão, tem espaço para ganho de eficiência." No segmento de ensino superior, o interesse é mais focalizado, afirma Flávia Conrado, sócia da Setter.


"Os alvos mais procurados são as faculdades ligadas às áreas médicas, como medicina e enfermagem, que são cursos de mensalidades mais elevadas e com demanda. O objeto de desejo de grandes grupos é comprar faculdades de medicina", diz ela. Faculdades com cursos de veterinária também são alvos em potencial. Entre os grupos que miram expansão na área da saúde estão Afya e Estácio.


Os ativos mais atrativos são os posicionados em grandes centros com alta demanda ou regiões com maior carência de médicos, como o Nordeste. Para Luis Gustavo Pereira, no entanto, a educação superior demanda cautela. "O setor deve ter uma retomada difícil, a população perdeu muita renda, é difícil ter um cenário claro. As operadoras de ensino superior que têm operação em Bolsa estão subavaliadas por causa dessa perspectiva não tão clara."

Entre os segmentos mais resilientes da economia estão o do agronegócio e o de tecnologia, que se mantêm atrativos.
O ramo de fertilizantes e químicos é o mais aquecido, segundo Dell'Oso. "Quem domina o mercado de químicos são grandes empresas internacionais, mas há muita empresa familiar brasileira que faz as misturas dos produtos e fazem o serviço de logística de safra para produtores. Elas têm sido alvo de investidores estrangeiros, como chineses, japoneses e europeus", afirma.


As companhias médias do setor, com receita entre R$ 100 milhões e R$ 500 milhões, são as mais procuradas. "A região Centro-Oeste e o interior de São Paulo têm bons ativos com problemas de gestão não profissionalizada, por exemplo, e preços justos", afirma Bruno Carvalho.


Já em infraestrutura, o segmento do saneamento básico é o que deve apresentar maior possibilidade de consolidação, com interesse de fundos e operadores de água e esgoto estrangeiros no páreo, segundo a PwC. "Temos grandes operadores globais bem posicionados que aguardavam a aprovação do novo marco e querem investir em ativos como a Cedae, por exemplo", diz Dell'Oso. O maior movimento de investidores deverá acontecer nos próximos cinco anos, de acordo com ele.


De forma mais imediata, o ramo das telecomunicações é atrativo, de acordo com João Carlos Mendonça, sócio do escritório Felsberg. "Com a pandemia, as empresas precisaram ampliar infraestrutura e capacidade de tráfego. Quem já possuía estrutura instalada em cidades médias e grandes está visado. Provedores pequenos e médios são baratos, especialmente para o investidor estrangeiro, devido ao câmbio."