Coronavírus

Pesquisa na China mostra dez tendências de consumo pós-quarentena

Segunda a pesquisa, 60% das pessoas saíram para comer, 55% foram ao salão de beleza e 52% compraram aparelhos para se exercitar

Coronavírus na China - Greg Baker/AFP

Pequenos prazeres, foco na saúde, temor de lugares cheios e muitas (mas muitas mesmo) lives. A julgar pelo que acontece na China, esses são os eixos do consumo no "novo normal". Um estudo feito pela consultoria Inovasia com base no mercado pós quarentena do país -o primeiro a impor medidas de isolamento e o primeiro a afrouxá-las- aponta mudanças profundas de hábito entre consumidores e empresas.

Com o fim da quarentena, a primeira reação foi sair para consumir: 60% das pessoas saíram para comer, 55% foram ao salão de beleza e 52% compraram aparelhos para se exercitar, segundo a pesquisa. A explicação o fenômeno é o "efeito indulgência". "O consumidor decide dar um prêmio para si. É uma oportunidade para o varejo explorar", afirma Felipe Zmoginski, CEO da Inovasia. Ele espera que uma reação semelhante entre os consumidores de renda média e alta no Brasil. "Já vimos a corrida que houve quando Santa Catarina abriu os shoppings, mas obviamente não é um consumo de massa", diz.

A consultoria Nielsen diferencia os consumidores "protegidos", que não perderam o emprego nem a renda com a pandemia, e os "restringidos", grupo daqueles que foram impactados pela crise. "Esse consumidor fica mais precavido com viagens, aquisição de serviços e bens mais caros como trocar de carro ou de casa, mas no consumo do dia a dia ele se dá direito a pequenos prazeres, como um vinho mais caro", afirma Domenico Tremaroli, diretor de atendimento a clientes da Nielsen Brasil.



A aversão a grandes gastos e dívidas de longo prazo também foi observada entre os chineses -60% daqueles que financiavam um imóvel desistiram da compra. Paralelamente, a busca por produtos financeiros aumentou 41% como forma de expandir as fontes de renda. O consumidor restringido, por sua vez, tende a concentrar seu consumo em itens básicos, como alimentos, escolhidos por um critério de preço. "Não é promoção, esse consumidor vai depender de um preço baixo sempre", diz Tremaroli.

O estudo da Inovasia também aponta que a migração para plataformas virtuais não é revertido com o fim do isolamento, compondo um mix com as atividades offline. Mais de 90% dos compradores e de 95% dos vendedores que passaram a usar a tecnologia durante a pandemia afirmam que continuam com o hábito.

Para esse grupo, que resistia aos canais digitais por desconfiança e falta de familiaridade, a mudança trouxe comodidade e maiores ganhos. Entre as empresas, observou-se também a continuidade de reuniões à distância e aulas online. "Grande parte desses 'late adopters' [usuários tardios] é de homens com mais de 50 anos. Esse consumidor precisa de uma interface mais simples, letras maiores. Exige uma modernização das empresas", afirma Zmoginski.

Os setores que mais ganharam com essa adaptação do consumidor foram supermercados e farmácias – apesar de terem continuado com o ponto físico funcionando por serem serviços essenciais. A redução do contato direto do consumidor com a marca no ponto de venda deve levar a novas formas de conexão entre as fabricantes e o público alvo, ampliando a tendência incipiente de ecommerces próprios, aponta a Nielsen. Além da comodidade, a opção pelo consumo à distância também resulta do medo de contaminação. Mesmo após o fim do isolamento social, a população chinesa seguiu temerosa de interações diretas e aglomerações.

A Nielsen identifica tendência semelhante, acrescentando ao temor o fato de que grande parte da população, ainda que quisesse, não terá condições financeiras para sustentar lazer e consumo fora de casa. A mudança favorece o comércio local. Como no Brasil, houve num primeiro momento a compras em pequenos negócios do bairro como forma de apoio a esses locais, mas a atitude se manteve com o tempo como forma de evitar grandes deslocamentos e multidões. O percentual de chineses que prefere consumir itens produzidos e vendidos por pequenos comerciantes passou de 19% para 38,6% após a quarentena.

As críticas feitas por líderes estrangeiros à China, assim como teorias da conspiração que culpavam o país pela criação da Covid-19, também levaram os chineses a optar por marcas locais em detrimento de importados como uma reação nacionalista. Segundo a pesquisa, 50,6% dos consumidores chineses trocaram os importados pelos nacionais.

A preocupação com a saúde é outra novidade que se destaca no "novo normal". Em maio, a demanda por produtos frescos na rede de supermercados HeMa cresceu 93% comparado ao mesmo período do ano passado, enquanto as vendas de comida pronta caíram. De acordo com a Inovasia, a crise sanitária levou o consumidor a se atentar mais para a qualidade e a procedência do que consome. Esse efeito foi observado principalmente entre os idosos, grupo de risco da Covid-19.

Atentas à tendência, as marcas já vêm adaptando seu marketing, aponta a Nielsen. "Antes da pandemia produtos de limpeza falavam em eficiência, rendimento. Agora o foco é o cuidado com a saúde", afirma Tremaroli. A nova vida online dos consumidores manteve em alta as lives na China mesmo com o fim da quarentena, usadas para anunciar produtos.

Segundo o instituto chinês iiMedia Resarch, 526 mihões de chineses assisitiram a lives de ecommerces durante a quarentena, o que equivale a 69% dos cidadãos com acesso à internet do país. O número de transmissões dentro do marketplace Alibaba, por exemplo, saltou 719% entre janeiro e fevereiro. Nos próximos dois anos, o segmento deve decuplicar no país, segundo estimativas do grupo Alibaba, ByteDance (dono do TikTok) e Kwai. "No Brasil, um exemplo dessa tendência é ver sertanejos sendo convidados para fazer um show dentro da plataforma do Magalu", afirma Zmoginski.