Relatório do Congresso dos EUA vê risco à democracia e ao ambiente sob Bolsonaro
A avaliação está na nova versão do documento de análise interna das relações Brasil-EUA feito pelo CRS (Serviço de Pesquisa do Congresso)
O governo Jair Bolsonaro enfrenta resistências no Congresso dos Estados Unidos devido à percepção de que traz riscos à democracia, aos direitos humanos e ao ambiente. A avaliação está na nova versão do documento de análise interna das relações Brasil-EUA feito pelo CRS (Serviço de Pesquisa do Congresso, na sigla inglesa).
"Apesar de parecer haver considerável apoio no Congresso para formar uma parceria estratégica de longo prazo com o Brasil, muitos membros [das Casas] podem relutar em fazer avançar grandes acordos comerciais bilaterais ou iniciativas de segurança no curto prazo", escreve o especialista em América Latina Peter J. Meyer, que assina o documento.
Isso por causa "de suas preocupações acerca da erosão da democracia, direitos humanos e proteções ambientais sob Bolsonaro".
O órgão, que existe desde 1914, é responsável por alimentar 435 membros da Câmara e 100 do Senado com informações sobre temas discutidos nas duas Casas. Ele capta também as posições de congressistas, mas não dita políticas.
O CRS não é ligado aos dois partidos dominantes, o Republicano, do presidente Donald Trump, e o Democrata, do seu desafiante na eleição de novembro, Joe Biden. O documento, com 26 páginas, teve sua atualização publicada no domingo (6). Nele, inexiste o mundo pintado pelo Itamaraty do chanceler Ernesto Araújo, no qual a declarada admiração e a proximidade com as políticas de Trump geram frutos políticos inquestionáveis.
Bolsonaro, desde seu primeiro discurso após vencer as eleições em 2018, elegeu o americano como ídolo e nunca perde a oportunidade de prestigiar o aliado -no sábado (4), participou da festa da independência americana na embaixada em Brasília.
Como Meyer lembra, isso tem sido criticado internamente pelos sucessivos episódios em que Trump esnobou Bolsonaro, ainda que tenha havido progressos em algumas áreas como defesa e segurança. "As relações se aproximaram desde 2019, já que a política externa do presidente Bolsonaro priorizou o alinhamento à administração Trump. Mesmo assim, diferenças de políticas surgiram acerca de questões sensíveis", diz o texto.
Entre elas, barreiras de comércio bilateral e a questão da relação com a China, adversária estratégica dos EUA.
Desde o começo do governo, há divergências internas em relação à potência asiática. A ala dita ideológica, que tem Ernesto como expoente, quer se afastar de Pequim pelo fato de a ditadura local ser comunista e aliada do que considera globalismo. Outro prócer da turma, o filho presidencial Eduardo, arrumou um imbróglio diplomático quando endossou críticas à gestão da pandemia do novo coronavírus pelos chineses.
Já setores mais pragmáticos, notadamente a Agricultura, liderada pela ministra Tereza Cristina, e militares no governo como o vice-presidente Hamilton Mourão, acenam sempre que possível ao maior parceiro comercial brasileiro. O próximo foco da disputa será na permissão para que a chinesa Huawei forneça infraestrutura de redes 5G no país, algo que os EUA querem impedir sob alegação de risco de segurança de dados. Aqui, o texto lembra que isso poderá colocar em risco os acordos de defesa e segurança estabelecidos desde que o Brasil virou parceiro militar preferencial americano, fora do escopo da Otan (a aliança ocidental).
Também é lembrado que há uma resolução na Câmara pedindo o fim do status e de parcerias militares devido ao prontuário brasileiro de direitos humanos, ao mesmo tempo em que alguns congressistas pedem maior proximidade.
O texto faz um resumo sintético da história política brasileira recente e busca explicar a ascensão de Bolsonaro em termos didáticos. Passa pela exaustão do petismo e da política tradicional, a Operação Lava Jato, o petrolão e a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Bolsonaro buscou manter sua base política mobilizada assumindo posições conservadoras em questões culturais e atacando verbalmente a quem vê como inimigos", diz o texto.
Ele enumera a mídia, ONGs e outros Poderes como tais inimigos, lembrando das polêmicas participações do presidente em atos antidemocráticos. Isso colocou as instituições sob "estresse adicional", diz o texto. "Os ataques ficaram mais estridentes desde março de 2020 devido ao amplo escrutínio sobre a resposta errática à pandemia da Covid-19 e as tentativas alegadas de interferir em investigações legais para proteger sua família e aliados [o caso apurado de interferência para trocar chefias da Polícia Federal, que tirou Sergio Moro do governo]."
O negacionismo esposado pelo presidente em relação ao novo coronavírus, que acabou por infectá-lo, é destacado também. "A politização da pandemia e a falta de coordenação entre diferentes níveis de governo podem ter contribuído para a resposta ineficaz do país", uma crítica que valeria para o governo Trump.
Para desgosto das pretensões de Ernesto, o texto diz que questões internas deverão "limitar a habilidade de o Brasil assumir sua responsabilidade regional ou exercer sua influência internacionalmente nos próximos anos". É explorada a adoção de uma agenda liberal e de linha-dura na área de segurança pública, ambas com dificuldades de avançar.
Como seria esperado, há três trechos do documento expressando as críticas existentes à política ambiental de Bolsonaro, dominantes na oposição democrata ante ideias semelhantes defendidas por Trump. Mas o texto é sóbrio, com as posições defendidas por Bolsonaro delineadas, além de contemplar argumentações de críticos e apoiadores do governo na maior parte dos temas.
Ao fim, o Brasil do presidente sai mal na foto lida pelos congressistas. Os republicanos dominam o Senado (53 membros), enquanto os democratas, a Câmara dos Representantes (233 deputados). Textos como o de Meyer são usados para embasar discussões sobre transferências de recursos americanos para o Brasil ou acerca de leis que afetam as relações bilaterais.
"As desavenças sugerem que os governos precisam engajar consultas mais extensivas e medidas de construção de confiança", diz a peça. Isso se "quiserem evitar o padrão histórico das relações EUA-Brasil, no qual expectativas exacerbadas dão lugar a desapontamento e desconfiança mútuas".