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Pandemia faz déficit dos fundos de pensão dobrar e governo estuda permitir saques

Em março, o déficit das carteiras de investimento dos fundos de pensão chegou a R$ 53,4 bilhões contra R$ 26 bilhões em dezembro de 2019

Caixa Econômica Federal - Marcelo Camargo/ Agência Brasil

A crise causada pelo coronavírus na economia fez o desempenho das entidades fechadas de previdência, principalmente de empresas estatais, voltar ao prejuízo.

Em março, quando a pandemia forçou o isolamento social, o déficit das carteiras de investimento dos fundos de pensão chegou a R$ 53,4 bilhões contra R$ 26 bilhões em dezembro de 2019.

Em maio, último dado disponível, o resultado negativo foi em R$ 35,8 bilhões. Isso se deve basicamente à perda do valor de mercado das empresas em que os fundos apostaram recursos.

Mesmo assim, o governo estuda permitir que as entidades patrocinadoras suspendam temporariamente suas contribuições e que os futuros beneficiários possam realizar saques.

Nesse caso, a medida só valeria para os planos fechados de contribuição definida (CD).

As novas regras serão discutidas pelo CNPC (Conselho Nacional de Previdência Complementar). O ministro Paulo Guedes (Economia) preside esse comitê.

Consultada, a Previc (Superintendência Nacional de Previdência Complementar) confirmou a proposta sem apresentar detalhes. O órgão disse que ainda o texto não foi enviado ao CNPC.

As entidades de previdência são contrárias à proposta porque agravaria ainda mais a situação patrimonial. Para os futuros beneficiários, especialmente aqueles que tiveram redução de jornada ou de rendimentos, seria uma ajuda para enfrentar a crise.

Pessoas que acompanham essa discussão afirmam que, inicialmente, a ideia é permitir a suspensão temporária das contribuições até o fim deste ano.

Para os beneficiários, seria possível sacar 10% da reserva acumulada. No entanto, a medida só valeria para aqueles que ainda estão na fase de acumulação e não para quem está prestes a se aposentar.

As grandes entidades consideram que essa medida seria uma forma de nivelar as regras dos fundos de pensão fechados (maioria de estatais) com os planos de previdência vendidos no mercado por instituições financeiras.

A reportagem consultou as principais entidades de previdência de estatais que, reservadamente, avaliam a proposta como uma estratégia de enfraquecer o sistema de previdência complementar em um momento em que se esforçam para corrigir os desmandos ocorridos em gestões passadas.

Muitos fundos se envolveram em operações de investimentos investigadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal que causaram perdas bilionárias.

O próprio ministro Guedes é alvo das investigações por supostas irregularidades envolvendo negócios com uma gestora de ativos da qual foi sócio até entrar para o governo. Ele nega irregularidades.

Essas perdas vinham sendo corrigidas desde 2015, quando o rombo das entidades atingiu seu ápice. Guedes chegou a modificar até o processo de escolha de dirigentes das instituições.

No levantamento foi feito pela Previc com 35 instituições que concentram 70% dos ativos investidos (cerca de R$ 700 bilhões), pela primeira vez, os ganhos superaram as perdas.

Sem a Covid, pela primeira vez desde 2015, os fundos de pensão tiveram saldo positivo (R$ 400 milhões) no balanço anual consolidado de 2019.

No entanto, a pandemia comprometeu esse processo de saneamento das contas dos fundos de pensão.

"Apesar da inexistência de problemas de liquidez no curto prazo, a deterioração no valor dos ativos [investimentos] em março foi significativa e poderá influenciar os resultados de 2020", diz a Previc em seu relatório.

"A recuperação observada mais recentemente conjugada à elevada volatilidade do mercado não permite prever com certeza qual será o resultado [dos fundos de pensão] em dezembro de 2020."

A crise prejudicou especialmente as entidades com nível de solvência abaixo de 0,7. O índice considerado pela Previc como bom é acima de 1 e expressa a saúde financeira do fundo, sua capacidade de pagar benefícios aos aposentados e continuar realizando seus investimentos.

Abaixo de 0,7 as instituições passam a ser monitoradas permanentemente pela Previc.

Desde 2015, este grupo representava 3% das instituições. Em março deste ano, saltou para 7% e contou com fundos como Portus, Postalis e Refer, envolvidos em escândalos no passado e que ainda amargam rombos elevados.

No caso do Postalis, dos funcionários dos Correios, déficit no ano passado foi de R$ 6,8 bilhões e o índice de solvência, 0,32.

No balanço de todos os fundos, o total de investimento chegou a R$ 1 trilhão, com um crescimento de 10% em relação ao ano anterior.

Até dezembro, o retorno médio dessas aplicações foi de 14,5% garantido principalmente pelo desempenho da Bolsa, acima de 30% no período.

Na avaliação da Previc, com o cenário de retração econômica, juros baixos, e envelhecimento da população, os gestores dos fundos serão obrigados a buscarem alternativas para garantir o mínimo exigido de retorno. Hoje, esse patamar é de 4,7% ao ano (meta atuarial).

Somente nas aplicações feitas em renda variável as perdas entre dezembro e maio deste ano foram de 4%.

Nos países da OCDE, os fundos de pensão tinham US$ 32,3 trilhões investidos em dezembro de 2019. No fim de abril deste ano, perderam 8%, passando o total de ativos a equivaler US$ 29,8 trilhões.

Além da pandemia, a Previc considerou em sua análise que a economia brasileira já vinha sofrendo golpes desde o ano passado que levariam a um resultado desfavorável neste ano.

Dentre os diversos fatores, a secretaria apontou o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (MG), com forte impacto no valor das ações da companhia e no setor mineral como um todo.

Também é citada a recessão na Argentina, nosso principal comprador no hemisfério sul, que levou a uma retração de 2,2% no desempenho da indústria local de transformação.

Há ainda a aversão de investidores internacionais a risco levando a uma depreciação do real ante o dólar em cerca de 10% no decorrer do ano passado.