Comerciantes da orla enfrentam dificuldades durante pandemia
Os tradicionais barraqueiros, ambulantes e comerciantes de coco dos quiosques, revelam dificuldades e esperança do retorno ao comércio na orla
Cartão postal de Pernambuco, as praias do Recife e de Jaboatão dos Guararapes agregam 766 comerciantes cadastrados que foram profundamente impactados pela pandemia do coronavírus. Os tradicionais barraqueiros, ambulantes e comerciantes de coco dos quiosques, revelam dificuldades e esperança do retorno ao comércio na orla. Na última quarta-feira (15), foi liberado apenas o comércio nos quiosques de coco do Recife, mas segue proibido ambulantes e barracas na faixa de areia.
Já se passaram mais de três meses desde que o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), assinou o decreto que proibiu o acesso às praias, no dia 04 de abril. Após ser renovado sucessivas vezes, no último dia 19, o governador decretou que a decisão de abertura das praias da Região Metropolitana do Recife ficaria a cargo dos prefeitos.
“Está sendo um prejuízo muito grande. Eu havia empregado um dinheiro em mercadoria e agora não consigo vender. Perdi de três a quatro feriados de sol”, lamenta José Leandro, proprietário do famoso Caldinho do Leandro. Ele trabalha há 30 anos no ramo e diz que nos finais de semana com sol conseguia vender para seus distribuidores ambulantes cerca de 600 garrafas de caldinho, com um litro cada. Durante a pandemia, vendendo apenas para vizinhos e conhecidos, a quantidade não chega a 10. Sendo sua única fonte de renda, o Caldinho do Leandro sustenta ele e mais quatro pessoas. “Estamos tentando vender por delivery, é a única alternativa para garantir alguma renda”.
“A barraca é a minha história e a minha vida, a gente fica muito triste com tudo que acontece. Hoje eu mantenho minha família com isso, pago o estudo dos meus filhos e as mensalidades estão atrasadas. Também me comovo com os 10 funcionários que trabalham comigo, sempre tento ajudá-los com cestas básicas”, comenta o proprietário da Barraca do Pingo, Ronaldo José, que trabalha há 40 anos nas areias de Boa Viagem. “Vemos na televisão que é aconselhável ficar com dois metros de distância de cada pessoa. Então como fica a questão do transporte público lotado? Como proibem uma praia que tem um espaço muito grande e várias famílias dependem daquilo? Sei que vidas estão em risco, mas é muito complicado”.
Com a ajuda dos clientes fiéis, Ronaldo diz que no início a situação estava melhor. “Eles fizeram uma vaquinha para me ajudar, conseguimos arrecadar sete mil reais. A prefeitura tem o cadastro de todos aqui na praia, poderiam auxiliar com algum empréstimo nesse momento difícil”. Com a ajuda do auxílio emergencial do Governo Federal, Ronaldo diz que consegue pagar algumas contas. “O problema é que nem todo mundo conseguiu receber, teve muito roubo nisso”, lamenta. A Prefeitura de Ipojuca realizou uma ação similar a proposta por Ronaldo e lançou o BEM (Benefício Eventual Municipal), que garante um auxílio de R$ 500 para os trabalhadores informais do município, incluindo bugueiros e ambulantes.
Para tentar contornar a crise, Talita Santos, filha de Ronaldo, teve a ideia de iniciar a venda dos drinks e petiscos por delivery. “Mesmo com a liberação do comércio nós vamos continuar com o delivery. No retorno, a quantidade de mesas e cadeiras terá que ser reduzida, então o delivery pode nos ajudar”, avalia Talita.
Severino da Silva, conhecido como Biu do Gelo, é presidente da Associação dos Barraqueiros da Orla de Boa Viagem e pensa em estratégias para o retorno. “Eu sugeri, através de ofício na prefeitura, que liberassem 70% dos equipamentos da praias, tudo com as devidas proteções e obtive a resposta de que estão aguardando uma avaliação do governo estadual”. De acordo com ele, a falta de uma previsão ou posicionamento dificulta uma preparação prévia para o retorno com as novas medidas de segurança. “Como um shopping pode ficar aberto e o comércio da praia não? Ainda mais por ser um local fechado, com ar condicionado”, questiona. Sobrevivendo com a ajuda de parentes, Severino diz que toda a sua família depende da praia e que um dos maiores desafios para a reabertura será com relação aos equipamentos de trabalho, que estão guardados se deteriorando.
“Um grande desafio vai ser a redução da quantidade de mesas e cadeiras, atendendo menos gente. Estamos organizando um cardápio digital e outro todo plastificado para que seja limpo a cada cliente. Quem trabalha com a gente também vai estar usando máscaras”, projeta o proprietário da Barraca do Pezão, Carlos Vasconcelos.
Para o fundador da Associação dos Barraqueiros de Coco do Recife, Tomé Ferreira, mais conhecido como Zezinho do Coco, o maior desafio vai ser na preparação para o retorno ao trabalho. “É muito difícil para os 60 quiosques da orla de Boa Viagem. Seria interessante alguma linha de crédito da prefeitura que auxiliasse nesse processo”, comenta. Com 52 anos de trabalho na praia, ele diz que a união é essencial. “Todos devem se unir nessa cadeia que se chama turismo e lazer. Aceitar esse desafio, tanto na saúde quanto na economia”.
Na orla de Jaboatão dos Guararapes a situação não é diferente. “Tem ambulante que chega na minha casa pedindo ajuda, alguma comida. Eles não têm com quem contar nessa situação e a associação tem poucos recursos”, comenta o presidente da Associação dos Comerciantes e Microempreendedores da Orla de Jaboatão, Sandoval Berto. “Muitos deles ganham o dinheiro no dia para comprar o jantar, não tem como juntar ou guardar”. Para ajudar os comerciantes da orla, Sandoval diz que o dinheiro em caixa da associação foi utilizado para comprar cestas básicas e distribuir entre os associados mais necessitados.
“Já foi remarcado várias vezes a data do retorno e ainda não aconteceu. Sei que a ameaça do vírus é real, mas estamos precisando”, explica. Com relação aos protocolos de segurança para a reabertura, Sandoval diz que tem receio. “Tenho medo que as pessoas voltem a trabalhar e não sigam as medidas de segurança. Vou pegar no pé de quem trabalha comigo”.
Essa também é uma preocupação de Iraci Ferreira, que tem 59 anos e vende caldinho na Praia de Piedade. “Elas precisam ter consciência e respeitar o momento. Você vê várias pessoas na rua sem máscara, isso me preocupa”, conta. Como uma renda alternativa nesse momento, Iraci fabrica e vende máscaras de proteção, além do caldinho para vizinhos.
Na última terça-feira (14), Sandoval foi um dos organizadores de um protesto que pressionou o governo estadual sobre a previsão de abertura do comércio na orla. A concentração aconteceu no Parque 13 de Maio, no Centro do Recife, e seguiu até o Palácio do Campo das Princesas. Estiveram presentes, principalmente, trabalhadores das praias dos municípios de Jaboatão e Ipojuca. O ato resultou em uma reunião entre os trabalhadores, o secretário-executivo de Articulação e Acompanhamento da Casa Civil, Eduardo Figueiredo, e o presidente da Empetur (Empresa de Turismo de Pernambuco), Antônio Baptista. Ficou acordado que a data para liberação do comércio na areia da praia será estudada e que uma nova reunião deverá ocorrer até o próximo dia 25 de julho. A Casa Civil ressaltou que a retomada é regida por protocolos de segurança que consideram o comportamento da contaminação e a relevância socioeconômica dos setores impactados.
Procuradas pela reportagem, a Prefeitura do Recife e de Jaboatão dos Guararapes informaram que vão continuar realizando entregas mensais de cestas básicas para os comerciantes cadastrados.