Sexta rodada de aeroportos foi adaptada aos efeitos da pandemia, diz secretário
Os documentos para a composição do edital da sexta rodada que foram enviados ao TCU trouxeram uma adaptação, já considerando que os operadores ficaram enfraquecidos pela pandemia
A decisão de não postergar a sexta rodada de concessão de 22 aeroportos por causa do coronavírus deve colocar no próximo leilão um novo perfil de interesse. Diferentemente das últimas rodadas, que consolidaram a presença de gigantes da administração aeroportuária na Europa, como Zurich e Fraport, agora são esperados os grandes fundos.
Os documentos para a composição do edital da sexta rodada que foram enviados ao TCU (Tribunal de Contas da União) neste mês trouxeram uma adaptação, já considerando que os operadores ficaram enfraquecidos pela pandemia e devem ter dificuldade em disputar, segundo Ronei Glanzmann, chefe da SAC (Secretaria Nacional de Aviação Civil).
Desta vez, será permitida a entrada de competidores financeiros individualmente na corrida, desobrigando a participação societária dos operadores de aeroportos. Foi mantida a exigência de que eles sejam contratados no projeto.
"Agora, na Europa, essa turma teve o caixa muito afetado pela crise do coronavírus. E onde tem abundância de recursos hoje? Onde tem reservas para investimentos em infraestrutura? Nos fundos previdenciários, de pensão, soberanos, de private equity, mundo afora. Mas esses fundos não são operadores de aeroportos, realmente. Eles são investidores. Eles têm o dinheiro, têm o capital, mas não são operadores. Então, como esses fundos fazem? Eles vêm com o parceiro contratado", diz Glanzmann.
Para não comprometer o cronograma, os estudos protocolados no tribunal de contas abordam o cenário pré-Covid. Até o fim de julho, será protocolada a atualização dos trabalhos já considerando os efeitos da pandemia no setor, segundo o secretário. "Vai ter redução do valor da outorga, uma revisão do plano de investimento, porque a demanda caiu brutalmente", diz.
A ideia é publicar o edital por volta de novembro para que o leilão seja realizado no início de março de 2021 ou talvez até em fevereiro, segundo Glanzmann.
Sobre os efeitos já provocados pela pandemia nas concessões existentes hoje o secretário afirma que o processo de reequilíbrio está caminhando e vai conseguir aliviar as concessionárias ainda em 2020.
"Prorrogamos o pagamento de outorga para o final do ano, para 18 de dezembro, exatamente para dar tempo de rodar o reequilíbrio até lá. Os aeroportos já vão ter redução no valor de pagamento de outorga neste ano para poder fazer frente à crise da pandemia", diz.
Os imbróglios antigos, como a relicitação de Viracopos, segundo ele, também estão avançando. Nos próximos dias deve sair o decreto de qualificação.
Glanzmann diz ver oportunidades no horizonte. Ele afirma que o governo está trabalhando para ajudar as aéreas brasileiras com o BNDES e a medida provisória de apoio ao setor aprovada pelo Senado nesta quarta (15), mas o cenário deve trazer estrangeiras para atuar mercado doméstico brasileiro.
"A gente vem trabalhando em duas frentes: tentar, na medida do possível, segurar as nossas empresas, manter a nossa malha, mas continuamos com o processo de incentivo à vinda de novas companhias aéreas", afirma.
Ele vê o Brasil como um terreno fértil no pós-pandemia porque tem legislação mais flexível ao capital estrangeiro. "Qualquer investidor do mundo pode investir em companhia aérea no Brasil, sem restrição. Você não vê isso em mercados grandes na aviação. Sem querer ser otimista em excesso porque a crise é grave, mas eu acho que tem oportunidades nessa retomada, sim, e a gente pode ver novas empresas surgindo no Brasil neste momento", afirma Glanzmann.
PERGUNTA - Por que a sexta rodada terá essa mudança em relação ao operador se os últimos leilões foram considerados bem sucedidos?
RONEI GLANZMANN - Isso é resultado um pouco dessa questão da crise do coronavírus. O perfil de operador que aparece nos nossos leilões, geralmente, é aquele operador europeu, da Alemanha, da Espanha, da França, onde as operadoras de aeroportos podem investir no equity, no capital social da concessionária aqui. Ele participa do equity, faz um investimento, fica 30 anos e depois vai embora. Ocorre que, agora, na Europa, essa turma teve o caixa muito afetada pela crise do coronavírus. E onde tem abundância de recursos hoje? Onde tem reservas para investimentos em infraestrutura? Nos fundos previdenciários, de pensão, soberanos, de private equity, mundo afora. Mas esses fundos não são operadores de aeroportos, realmente. Eles são investidores. Eles têm o dinheiro, têm o capital, mas não são operadores. Então, como esses fundos fazem? Eles vêm com o parceiro contratado, em um acordo de operação, que a gente chama de TSA, technical support agreement.
Existem operadores, até europeus, norte-americanos, asiáticos, que podem participar de concessões, operando, mas eu não podem participar no capital dela. Muitos, inclusive, pertencem a estados, municípios. Os operadores americanos pertencem, geralmente, aos condados, como nos aeroportos de Orlando e de Miami. São empresas públicas. Esse pessoal não pode vir aportando equity nesses investimentos. Mas eles podem vir em parceria com grandes fundos. A ideia agora é abrirmos para esse pessoal também.
P - Foi para atrair mais competidores ao leilão?
RG - Como nós vamos fazer um leilão logo depois da maior crise do setor de avião civil, há uma incerteza muito grande. O setor está buscando reação, mas ninguém sabe como ele vai voltar. Então, a melhor maneira de corrigir essas incertezas no preço do ativo, no valor mínimo de outorga, no valor mínimo de leilão, é tendo um leilão competitivo. Quanto mais competitivo for esse leilão, melhor é o ajuste do preço. Se tiver muita gente participando do leilão, o preço, naturalmente, se ajusta. E aí, quisemos abrir também para esse outro nicho, que até então nunca tínhamos aberto, mas havia essa discussão nas outras rodadas. Achamos que está na hora de abrir para esse novo filão de mercado, que são os fundos em parceria com os operadores.
Mas não estamos dispensando os operadores. Nós só não estamos exigindo mais que ele venha no equity. Ele vai ter que vir contratado, pelo menos. Não abrimos mão da qualidade da operação e de ter uma operadora presente. Ela só não vai estar presente mais no capital social da concessionária.
P - Essa mudança foi uma adaptação colocada nessa minuta de edital enviada ao TCU depois que vocês olharam o cenário da pandemia?
RG - É uma reação à crise do coronavírus, que é a maior crise do setor da história da aviação. Se deixássemos tudo do jeito que estava, não temos certeza se esses operadores, que geralmente aparecem nos nossos leilões, viriam. Porque quando a gente olha para operação deles lá fora, eles também sofreram muito lá na Europa. Pega Frankfurt, Madri, o aeroporto ficou deserto. Será que a Aena vai ter apetite para um leilão agora em março, saindo de uma das piores recessões da história da empresa lá na Europa? Esse é o ponto.
Quando você conversa com os fundos, eles falam: 'olha, eu estou aqui com o meu dinheiro esperando para fazer bons investimentos. Inclusive, estou prospectando'. Porque como o mercado mundial se fechou o muito, ele está prospectando negócios mundo afora.
Nós podemos abrir mão desse cara no nosso negócio aqui? Aí, a solução dada foi o quê: vamos abrir mão do operador como sócio, mas vamos continuar exigindo um operador parceiro, contratado. Pode vir como sócio mas também pode vir como contratado. E com isso, novos competidores aparecem na discussão. É gente que não estava no radar e falou: 'opa, desse jeito aí eu posso ir, cabe no meu negócio'. E também estamos falando de alemães, norte-americanos, asiáticos, coreanos, gente que não poderia vir, mas agora podem porque pode ser contratado. Então, abre um leque de concorrência. Nesse momento, é o segredo para endereçar as incertezas.
P - E os estudos para calcular a demanda? Precisam ser refeitos porque são estudos pré-Covid?
RG - Eles foram protocolados no tribunal de contas e combinado que já ia protocolar o pré-Covid para o tribunal já ir estudando, porque são 22 aeroportos. Mas agora, até o final deste mês, a gente protocola a atualização dos estudos já considerando os efeitos da Covid. Vai ter redução do valor da outorga, uma revisão do plano de investimento, porque a demanda caiu brutalmente. Mas a gente não quis perder tempo porque boa parte dos estudos o tribunal de contas tem que avaliar. O tribunal já está fazendo isso e depois ele vai receber só a atualização para poder depois aprovar a versão final. Então a gente não compromete o cronograma.
P - E como está mesmo o cronograma?
RG - A gente espera publicar o edital ainda neste ano por volta de novembro e fazendo leilão no início de março de 2021. A gente dá cem dias entre edital e leilão, então, se publicar em novembro, talvez até em fevereiro a gente consiga fazer o leilão. Mas é por ali, depois do Carnaval, início de março.
P - Tem gente que diz que a sexta rodada só fica de pé se resolver questões do passado e como vai ficar o reequilíbrio dos contratos. Como está isso?
RG - O processo de reequilíbrio dos efeitos da pandemia nos contratos de concessão está em andamento, indo muito bem dentro da agência, que está tendo interações diretas com os concessionários. Prorrogamos o pagamento de outorga para o final do ano, para 18 de dezembro, exatamente para que dê tempo de rodar o reequilíbrio até lá. Então, os aeroportos já vão ter redução no valor de pagamento de outorga esse ano para poder fazer frente à crise da pandemia.
Mas os outros pontos, no caso, tem relicitação de Viracopos em andamento, que está caminhando bem e deve já sair o decreto de qualificação, talvez já nos próximos dias. Tem relicitação do aeroporto de Natal em andamento. Estamos com a esteira de trabalho normal acontecendo. Agora, os pleitos de reequilíbrio lá na agência são rotineiros. Um contrato de 30 anos sempre vai ter discussão com relação a reequilibrio. A Anac recebe vários pedidos ao longo do ano. E isso entra em uma esteira de produção. Alguns são deferidos, outros, não. A coisa está funcionando bem.
Mas o grande reequilíbrio mesmo é o do efeito do coronavírus. A crise no setor. Esse tem data, e eles vão fazer apuração até outubro, finalizar os cálculos em novembro para poder já abater da outorga que vai ser paga em dezembro. Os concessionários vão ter o alívio no caixa ainda neste ano.
P - Fazer a sexta rodada já é sinal de grande apetite e ousadia no ministério, considerando o cenário?
RG - A concessão de aeroportos no Brasil está muito madura, muito robusta. O projeto é bom. A sexta rodada tem bons aeroportos. É claro que a crise do coronavírus afeta. Mas vai passar. Já estamos retomando e vamos chegar ao final do ano, se Deus quiser, bem melhor. E é uma concessão de 30 anos. Não podemos deixar que uma crise no curto prazo... Ela não tem capacidade de destruir um projeto de 30 anos. Não é assim também. Pega um aeroporto como Curitiba, Foz do Iguaçu, Navegantes, Goiânia, Manaus. Trinta anos explorando esse ativo não tem valor? Será que o coronavírus vai ser capaz de inviabilizar um projeto como esse? Não vai. Os estudos vão mostrar isso. Teve impacto? Teve, claro, porque é uma crise logo nos primeiros anos. Mas é um projeto de longo prazo e com um ativo de qualidade. Por isso que a gente não quis atrasar leilão nem nada. Ia ser em dezembro e vai para março, mas é basicamente o tempo para ajustar os estudos porque o TCU falou: 'olha tem que ter o estudo atualizado, não dá para ir com a base pré coronavírus'. O único atraso foi esse, para refazer parte dos estudos. Mas o resto está todo mantido.
P - E vai sobrar companhia aérea para voar no Brasil? A situação está dramática?
RG - É verdade. A crise afetou em cheio o setor mas as medidas estão sendo tomadas para que a gente não perca as nossas companhias aéreas. O governo, o Ministério da Infraestrutura, têm trabalhado bastante. Teve uma boa notícia com a aprovação da Medida Provisória 925 pelo Senado nesta semana. É importantíssimo para o setor, para viabilizar as nossas empresas a continuarem operando.
Sem querer ser otimista em excesso, mas a crise também gera oportunidades. Olhando para o mercado da América Latina, o Brasil têm reagido muito bem à crise por pior que ela tenha sido no setor. Temos um mercado doméstico muito forte. Estamos começando a perceber o movimento de empresas de fora do Brasil, na América Latina, olhando já para o mercado doméstico e vendo que é robusto, que vai recuperar mais rápido e tem espaço para crescer.
Começamos a ver movimentos como o da Jet Smart, agora, recentemente, falando que quer começar a operar voo doméstico no Brasil porque o mercado brasileiro tem muito mais condição de retomar mais rápido. Por isso que a gente vem trabalhando em duas frentes: tentar, na medida do possível, segurar as nossas empresas, manter a nossa malha, mas continuamos com o processo de incentivo à vinda de novas empresas.
Há exemplos disso na medida provisória 925. Tem lá a extinção do adicional da tarifa de embarque internacional e a questão do dano moral que tem de ser comprovado, não pode ser presumido, isso diminui a judicialização, as indenizações contra as companhias aéreas e viabiliza a entrada de novas empresas no setor mesmo em época de crise.
Tem uma série de medidas para poder dar fôlego para as empresas, o BNDES tem trabalhando para liberar crédito. E, em paralelo, há medidas setoriais para atrair novas empresas para o Brasil. O país é um dos poucos mercados mundiais de grande porte que não tem restrição a capital estrangeiro. Qualquer investidor do mundo inteiro pode investir em companhia aérea no Brasil. Você não vê isso em mercados grandes na aviação civil. Geralmente, esses mercados grandes têm uma certa limitação ao capital estrangeiro.
Eu acho que a gente vai acabar saindo, sem querer ser otimista em excesso porque a crise de fato é muito grave, mas eu acho que tem aí oportunidades que podem ser exploradas nessa retomada, sim, e a gente pode ver novas empresas surgindo no Brasil neste momento.