Depósito de Queiroz ajudou mulher de Flávio Bolsonaro a quitar parcela de imóvel
Entre os outros valores há também um crédito em espécie de R$ 12 mil realizado por uma pessoa cuja identidade é mantida sob sigilo
O policial militar aposentado Fabrício Queiroz depositou R$ 25 mil em dinheiro vivo na conta da mulher do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), de quem era assessor, uma semana antes de o casal quitar a primeira parcela da compra de uma cobertura em construção na zona sul do Rio.
Dados da quebra de sigilo bancário obtidos pelo Ministério Público do Rio indicam que o depósito, junto com outras movimentações financeiras na conta da dentista Fernanda Bolsonaro, foi feito para dar cobertura ao pagamento da entrada no imóvel.
Entre os outros valores há também um crédito em espécie de R$ 12 mil realizado por uma pessoa cuja identidade é mantida sob sigilo. Queiroz é apontado pelo MP-RJ como o operador financeiro do esquema da "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Assembleia do Rio, onde ele exerceu mandato de deputado de fevereiro de 2003 a janeiro de 2019.
A suspeita é que o ex-assessor recolhia parte do salário de alguns assessores para repassá-los ao filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. Preso no mês passado em Atibaia, no interior de São Paulo, na casa de advogado ligado à família Bolsonaro, Queiroz está atualmente em prisão domiciliar, pedida por sua defesa e concedida pelo presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha.
Segundo os dados da investigação da Promotoria, dias antes de a família de Flávio Bolsonaro pagar R$ 110,5 mil de custos pela entrada no apartamento, em agosto de 2011, houve um movimento de recursos para cobrir a despesa futura. O primeiro foi realizado por Queiroz, no dia 15.
Dois dias depois, a conta da dentista Fernanda Bolsonaro recebeu R$ 74,7 mil de resgate de aplicações em fundos. No dia 19, há novo depósito em espécie (por pessoa cujo nome não é revelado) na conta da mulher do hoje senador. Toda a movimentação nesses quatro dias gerou um crédito adicional de R$ 111,7 mil na conta da dentista.
Os gastos com a cobertura começam no dia 19, data do último crédito. Fernanda primeiro paga R$ 1.610 ao 15º Ofício de Notas, cartório no qual a compra da cobertura na planta foi registrada. No dia 22, ela tem um cheque de R$ 73.140 compensado. A quebra não identifica o nome da empresa beneficiada, mas se trata da mesma data e valor de pagamento do casal à construtora responsável pelo condomínio Cenário Laranjeiras.
No dia seguinte, outro cheque de R$ 35.770 é compensado em favor da imobiliária Patrimóvel, responsável até hoje pela venda das unidades do condomínio. Em compras de imóveis em construção, é comum o comprador pagar a taxa de corretagem diretamente à imobiliária, debitando o valor do total do pagamento à construtora.
Esse não é o primeiro indício de vínculo entre Queiroz e despesas pessoais da família de Flávio. O MP-RJ obteve, por exemplo, imagens da agência bancária do Itaú na Assembleia Legislativa do Rio mostrando o PM aposentado pagando em dinheiro a mensalidade escolar das filhas do senador em outubro de 2018.
Os promotores suspeitam que a mesma dinâmica ocorreu no pagamento de outros 53 boletos da escola entre 2014 e 2018, feito com dinheiro vivo na boca do caixa. Eles somam R$ 153,2 mil. O mesmo ocorreu com a mensalidade do plano de saúde da família do senador. Foram 63 boletos pagos em dinheiro entre 2013 e 2014, somando R$ 108,4 mil.
Também houve uso de dinheiro vivo na compra de mobiliário para outro apartamento do casal e na quitação de débito com uma corretora de valores. Investigadores afirmam que os recursos em espécie usados nas operações do senador têm como origem o esquema da "rachadinha". O uso de papel-moeda visa dificultar o rastreio do caminho do dinheiro ilegal.
O MP-RJ afirma ainda que há indícios de lavagem de dinheiro por meio da compra de outros dois imóveis pelo casal e na loja de chocolate do senador. Nesses dois casos, o volume é bem maior: R$ 2,3 milhões, segundo os promotores. Queiroz prestou depoimento na quarta-feira (15) aos promotores do caso, 19 meses após ser notificado pela primeira vez e ter faltado às convocações anteriores. O teor da oitiva é mantido sob sigilo.
O imóvel de Laranjeiras adquirido em 2011 pelo casal também é objeto de um inquérito eleitoral que apura falsidade ideológica pelo senador. A suspeita decorre do fato de ele ter atribuído valores distintos ao imóvel nas declarações de bens entregues à Justiça Eleitoral nos pleitos de 2014 e 2016.
O jornal Folha de S.Paulo mostrou, contudo, que a diferença se deve ao parcelamento da cobertura e mudança na forma de declaração pelo casal –os dois passaram a declarar metade da propriedade ao Fisco. Especialistas afirmam que a mudança, quando relatada às autoridades, é legal.
A PF e o Ministério Público Eleitoral sugeriram o arquivamento do caso, mas o juiz Flávio Itabaiana, responsável pelo inquérito na Justiça Eleitoral, submeteu a decisão à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal.
A venda desse imóvel também foi usada como explicação por Flávio para a aparição de seu nome num relatório do Coaf.O órgão federal considerou atípicos 48 depósitos de R$ 2.000 em dinheiro feitos na conta do senador num intervalo de um
mês.
O filho do presidente disse que depositou em sua conta valores recebidos em dinheiro como parte do pagamento pela venda do imóvel em Laranjeiras. O comprador do imóvel confirmou ter quitado parte da transação em espécie.A defesa do senador afirmou, em nota, que "não há nenhuma ilegalidade nas contas de Fernanda e de Flávio Bolsonaro".
"Todas essas questões foram esclarecidas nos autos. Os vazamentos de informação, ocorridos diariamente, causam estranhamento na defesa. O processo é sigiloso e os detalhes na imprensa só podem ter sido divulgados por quem tem acesso aos depoimentos. Por esse motivo, a defesa fará uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para a devida apuração", afirmou a defesa de Flávio, em nota.
O advogado Paulo Catta Preta, que defende Fabrício Queiroz, disse que não iria se manifestar porque a investigação corre sob sigilo.