Obra de Carolina de Jesus será publicada pela Companhia das Letras
Neste projeto, serão publicados variados títulos, a exemplo de escritos memorialísticos, romances, poesia, música, teatro e narrativas curtas
Quando o jornalista Audálio Dantas publicou alguns escritos de uma mulher negra na reportagem “O drama da favela escrito por uma favelada”, no jornal “Folha da Noite”, em 1958, houve críticas e comentários negativos acerca da publicação. “Onde já se viu, uma negra semianalfabeta e ainda por cima favelada, escrevendo desse jeito”, diz uma das principais indagações dos críticos na época. Audálio conta com esta descrição no livro “O Tempo de Reportagem”, que compila suas principais reportagens. Dois anos após a matéria, a “favelada” - desta vez conhecida como Carolina Maria de Jesus -, lançaria seu primeiro livro, “Quarto de Despejo - Diário de uma favelada”. Ele foi traduzido em 13 línguas e vendeu mais de 1 milhão de exemplares.
Conhecida por seu estilo único de escrita e originalidade de suas obras, a escritora morreu pobre em 1977, e sem o reconhecimento merecido. Contudo, 60 anos após a repercussão do primeiro material, a obra de Carolina ganha novos contornos. A Companhia das Letras, um dos maiores grupos do setor no País, anunciou a publicação de sua obra sob a supervisão de um conselho editorial. Neste projeto, serão publicados variados títulos, a exemplo de escritos memorialísticos, romances, poesia, música, teatro e narrativas curtas. O conselho será composto por Eunice de Jesus, filha de Carolina, pela escritora Conceição Evaristo e pelas pesquisadoras Amanda Crispim, Fernanda Felisberto, Fernanda Miranda e Raffaella Fernandez.
O primeiro trabalho lançado será “Casa de Alvenaria”, que retoma o título publicado em 1961, mas com edição refeita e ampliada em relação à original. Ele integra a série “Cadernos de Carolina”, com datas ainda a ser divulgada pela Companhia das Letras. A série terá organização das pesquisadoras do conselho editorial, sob coordenação de Eunice Jesus e Conceição Evaristo, e com elementos críticos inéditos. A ideia dos Cadernos é levar o leitor ao universo da escritora após a mudança para o bairro de Santana, em São Paulo, e sua batalha pelo reconhecimento enquanto escritora.
Reconhecimento merecido
A história de Carolina de Jesus, em uma narrativa comum à vida dos negros brasileiros, é marcada por pobreza e exclusão. Ela nasceu em Sacramento (MG), em 1914, e viveu a maior parte da vida em São Paulo (na favela do Canindé, em Santana e em Parelheiros), onde fazia trabalhos informais. Mãe de três filhos, a escritora nunca casou para não ser submissa aos homens. Ela morreu em 1977, em decorrência de insuficiência respiratória, causada por uma asma que carregava desde a infância.
Morreu pobre. Sem reconhecimento pela sua obra e escrita única que, de acordo com alguns autores e pesquisadores brasileiros, a colocam como um dos principais nomes da literatura brasileira do século passado. “Um dos maiores desejos de Carolina Maria de Jesus era o de ser reconhecida como uma escritora capaz de escrever, além dos diários, romances, poesias, provérbios, contos, peças teatrais e letras de músicas. Ao falecer me deixou alguns pedidos numa carta e, entre eles, que eu propagasse a sua memória. São várias obras inéditas, as quais serão publicadas pela Companhia das Letras.”, explica Eunice de Jesus, filha da escritora.
Já a escritora Conceição Evaristo, um dos principais nomes da literatura contemporânea, considera a publicação como uma justiça ao legado de Carolina. “A publicação da obra de Carolina Maria de Jesus, por justiça, coloca a escritora em seu devido lugar, como uma das mais emblemáticas escritoras brasileiras do século XX e oferece ao público leitor a oportunidade de transitar pela diversidade que compõe a literatura brasileira.”, diz Evaristo.
Quarto de Despejo e Diário de Bitita, seus principais livros, não serão publicados no projeto.