Futebol sem torcedores não anima os que batem ponto nos estádios
O retorno será com gosto amargo para torcedores acostumados a ver quase todas as partidas nas arquibancadas
A volta do Campeonato Paulista a partir da próxima quarta-feira (22) atende à vontade da federação estadual e dos clubes, que poderão voltar a receber as verbas de televisionamento dos jogos. O retorno, porém, será com gosto amargo para torcedores acostumados a ver quase todas as partidas nos estádios. A retomada do futebol em São Paulo durante a pandemia da Covid-19 fará com que os jogos sejam disputados sem a presença de público, como tem acontecido na maior parte do mundo.
"Os jogos sem torcida são muito frios. Você vê as partidas e sabe que falta alguma coisa. A essência está perdida. O torcedor, na cabeça dele, acredita que o time joga melhor se estiver perto dele. É parte do espetáculo", afirma o engenheiro Valdir de Moura Júnior, 46, conhecido como Júnior Curitiba. Organizador de uma torcida do Santos na capital paranaense, ele hoje mora em Balneário Camboriú (SC). Isso não o impede de viajar pelo Brasil e para o exterior acompanhando a equipe do coração.
Agora, os planejamentos para pegar um avião no fim da tarde, desembarcar em São Paulo para ver a partida no Pacaembu ou na Vila Belmiro e voltar no primeiro voo do dia seguinte estão suspensos. O grande temor de Júnior é comum a outros torcedores ouvidos pela reportagem. Não poder ir ao estádio nas próximas semanas será triste, mas o problema maior para eles é a falta de perspectivas sobre quando isso voltará a ser possível.
"Acho que não vai voltar a ter torcida tão cedo, e estou muito incomodada com isso. Era minha distração, uma forma de extravasar", afirma a palmeirense Priscila de Castro Fonseca, 32. Ela é frequentadora assídua do Allianz Parque e do antigo Palestra Itália desde 2009. "Estão falando do campeonato [Brasileiro] inteiro sem torcida. Meu Deus do céu! Isso está mexendo com a minha cabeça. Precisa abrir, cara!", se desespera Luís Butti, 38, que acompanha o Corinthians desde 1992 em São Paulo, no Brasil, na América do Sul e que também esteve no Japão no Mundial de Clubes de 2012.
Butti hoje em dia é guia do tour da Arena Corinthians e faz parte das atividades pré-jogo no estádio, que receberá na quarta, pela primeira vez, o clássico contra o Palmeiras com as arquibancadas vazias. Para reivindicar a presença dos torcedores, ele usa um argumento esportivo. Iniciar o Campeonato Brasileiro, previsto para 9 de agosto, com os portões fechados e abri-los durante a competição poderia provocar um desequilíbrio.
"O dérbi [contra o Palmeiras] no Brasileiro será logo nas primeiras rodadas do primeiro turno. Então na Arena vai ser fechado e no segundo turno, no Allianz, vai ser aberto? Isso não é equilíbrio. Essa expectativa de ter um Brasileiro e Copa do Brasil sem torcida, em que o Corinthians, a meu ver, não é tão forte e precisaria da torcida, me preocupa bastante", completa.
O pensamento une os torcedores rivais. "O problema é que as pessoas encarregadas desse assunto estão perdidas. Acharam caminho para tudo, menos para o torcedor. Futebol é um negócio, mas a base desse negócio é a paixão do torcedor. É um negócio gerenciado pela paixão. Parece que falaram 'deixa esse pessoal pra lá'", reclama Júnior Curitiba. Alguns países europeus e asiáticos, com a pandemia em tese mais controlada, já permitem público nos estádios, ainda que em percentual reduzido. No Brasil, CBF e federações estaduais ainda não cogitam essa possibilidade.
Para esses torcedores, a longa ausência nos estádios introduziu em suas vidas a nostalgia. Eles falam da questão financeira, esportiva, do amor pelo clube, mas há também a saudade de ir ao estádio apenas pela experiência. "Você começa a sentir falta dos pequenos detalhes. Eu e meus amigos nos encontramos em um bar perto do Morumbi. E sempre tem um cambista que fica em frente que é corintiano e muito chato. Todo mundo sabe que ele é corintiano, mas ninguém faz nada, só acha graça. Eu estou com muita saudades desse cambista e de xingá-lo", relata o são-paulino Eduardo Bonazzi, 44, cuja presença no Morumbi é comum desde 1991.
É um sentimento que os outros torcedores conseguem entender. Como Priscila, sendo descoberta por santistas em um clássico no Morumbi em que o mando não era do Palmeiras; ou Júnior, viajando de avião até Rio Branco, no Acre, para acompanhar excursão de ônibus que durou 50 horas para assistir ao Santos jogar em Cusco, no Peru; ou ainda a briga de Butti para comprar um ingresso para partida diante do Rosário Central (ARG), pela Libertadores de 2000.
"Só consegui entrar com o jogo em andamento, e estava 2 a 1 para o Central", ele se recorda. São as pequenas experiências brecadas pela pandemia e pelo futebol sem torcida que tiram o sono desses apaixonados. "Não é só ver o jogo. É algo que faz parte da sua vida. Vai além do futebol", define Priscila.