Ação contra MBL acirra disputa na direita com grupos bolsonaristas
A operação policial deflagrada neste mês que atingiu o MBL (Movimento Brasil Livre) acirrou a disputa entre grupos da chamada nova direita pelo domínio desse campo político.
O movimento, que adquiriu notoriedade nas manifestações pelo impeachment de Dilma Rousseff (PT), foi alvo de uma ação de busca e apreensão em sua sede, em São Paulo, no último dia 10.
Dois ativistas próximos ao MBL, embora não formalmente filiados a ele, foram presos na ação, deflagrada pelo Ministério Público de São Paulo, Receita Federal e Polícia Civil.
O chumbo trocado entre bolsonaristas e integrantes do MBL, grupo que rompeu com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) após ter apoiado sua eleição, tem como cenários a CPMI das Fake News no Congresso, as redes sociais e a Assembleia Legislativa de São Paulo.
O pano de fundo é a queda de braço pela predominância no eleitorado de direita, um segmento que cresceu nos últimos anos. O próximo lance é a eleição municipal, que deve ser um ensaio geral para a disputa nacional de 2022.
Na Assembleia, os antagonistas na direita mobilizam suas fileiras a partir de dois gabinetes que controlam.
O bolsonarista Movimento Conservador elegeu para o Legislativo estadual um de seus membros, Douglas Garcia, recém-expulso do PSL. Seu chefe de gabinete é Edson Salomão, presidente do grupo e que, após tentar viabilizar uma candidatura a prefeito de São Paulo, disputará a Câmara Municipal pelo PRTB.
Já o MBL tem o deputado Arthur do Val, conhecido como Mamãe Falei, que será candidato a prefeito da capital pelo Patriota, após ter sido expulso do DEM.
Garcia é alvo do inquérito das fake news do STF (Supremo Tribunal Federal), enquanto o MBL de Arthur é, desde a operação policial, acusado de lavagem de dinheiro e associação criminosa.
O motivo seria a suposta relação do MBL com os empresários Alessander Monaco Ferreira e Carlos Augusto de Moraes Afonso (que usa nas redes sociais o pseudônimo Luciano Ayan).
Ayan, além de apoiador do grupo, é sócio em uma consultoria de tecnologia de um dos principais integrantes do movimento, Pedro D'Eyrot. Segundo a Promotoria, ele seria dono de empresas de fachada que movimentam valores incompatíveis com seus rendimentos e responsável por espalhar fake news sobre a vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2018.
As acusações sobre Monaco, que também atua na área de tecnologia, são igualmente de criação de empresas de fachada para movimentar R$ 3,6 milhões, valor que estaria além dos seus rendimentos.
Segundo o Ministério Público, Monaco é uma das pessoas que financiam o MBL com doações por uma plataforma do YouTube.
A investigação aponta que tais doações são ocultas e difíceis de rastrear, por isso são ideais num esquema de lavagem de dinheiro.
Já o MBL é acusado de, além de receber as doações, promover uma "confusão jurídica" com outra empresa que possui, a MRL (Movimento Renovação Liberal), para favorecer o esquema de lavagem de dinheiro.
A Promotoria afirma ainda que o conglomerado de empresas da família de Renan dos Santos, fundador do MBL, deve R$ 400 milhões à União.
Membro da cúpula do movimento, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) diz que o MBL não tinha conhecimento sobre movimentações financeiras atípicas em empresas de Monaco e de Ayan.
"Nosso relacionamento com Monaco era ele fazer doações na live e a gente respondia seus comentários. Ele nos doou no máximo R$ 10 mil."
Já em relação a Ayan, Kataguiri diz que ele era apenas convidado do MBL em palestras ou entrevistas.
O MBL afirma ainda que não há confusão entre o MRL (uma empresa) e o MBL (uma marca). Renan argumenta que as dívidas de empresas da sua família são anteriores à formação do MBL.
Para o movimento, a operação é uma retaliação por sua atuação de oposição ao governo federal.
A investigação do Ministério Público repete postagens no Twitter do perfil bolsonarista Let's Dex, cujo verdadeiro autor é desconhecido e alvo de investigação na CPMI das Fake News.
O documento da Promotoria traz as mesmas reproduções de tela divulgadas por Let's Dex, que passou a ser identificado entre seus seguidores como "o cara que derrubou o MBL".
"O promotor foi induzido a erro pelos bolsonaristas", afirma Kataguiri. "Eles querem a hegemonia no campo da direita. Os pontos que batemos são de ética e, como eles não conseguem se defender, querem nos manchar."
Do lado bolsonarista, também há acusações de montagem de dossiês, que seriam feitos por Ayan, um dos presos na operação contra o MBL.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) já afirmou que Ayan, um ex-apoiador do presidente, é "quem está por trás de toda essa estratégia da CPMI [das Fake News]".
Segundo os bolsonaristas, dossiês produzidos por ele abasteceram as informações prestadas na comissão pelos deputados Alexandre Frota (PSL-SP) e Joice Hasselmann (PSL-SP) –o que os parlamentares negam.
A relatora da CPMI, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), diz sofrer ataques nas redes por ser associada a Ayan. Ao lado de outros deputados, ela esteve em dois eventos sobre redes sociais dos quais ele participou em 2018 e 2019.
Contudo, não há registro da participação de Ayan na CPMI. Antes de ser preso, ele próprio disse que contribuiu com a comissão, mas não está por trás da sua existência.
"A colaboração que eu tenho a dar pra esse pessoal é de como funciona um grupo sectário que decida atuar nas redes sociais e que emule padrões semelhantes ao da alt-right [direita radical]. Isso veio de forma tardia, quando a CPMI já tinha andado bastante", disse.
Em entrevista ao Diário do Centro do Mundo, Ayan também menciona colaboração com os deputados Joice e Frota.
Segundo Kataguiri, o objetivo dos bolsonaristas ao atacar Ayan é desmoralizar a CPMI das Fake News e, consequentemente, o inquérito do Supremo.
"Essa CPMI das Fake News já não tem mais a razão de existir, já não tem mais condições morais de existir. O mentor dela acabou de ser preso hoje envolvido em diversos crimes", afirmou o deputado Eduardo Bolsonaro em vídeo sobre a operação contra o MBL.
O clima de eleição também motiva ataques em cidades do interior por parte de coordenadores regionais de movimentos bolsonaristas contra líderes locais do MBL, em razão da operação.
"O MBL vem sangrando nesse último ano. Essa ação da polícia foi o ápice agora", afirma Salomão, do Movimento Conservador.
Os dois movimentos já chegaram a trocar agressões em uma manifestação na avenida Paulista em maio do ano passado. Embora antagônicos, têm características semelhantes, como grande adesão entre jovens e forte atuação nas redes sociais.
Para Salomão, não há que se falar de disputa na direita, uma vez que, na opinião dele, o MBL é de centro. "Eles têm um projeto de poder, precisam estar no centro para ter oportunidades. São muito ligados ao DEM, ao MDB", afirma.