Elizabeth Savalla fala sobre novelas e personagens
Savalla está escalada para a próxima novela das 19h da Globo, que vai substituir "Salve-se Quem Puder"
"Você é Karina por causa de quê?", pergunta Elizabeth Savalla, 65, a esta repórter. A indagação tem um motivo. Em 1979, a atriz interpretou Carina, a mocinha da novela "Pai Herói" (Globo). "Naquela época, muitas mulheres chamaram as filhas de Carina", conta.
Savalla está quase certa. E é assim que começa esta entrevista, que aconteceu por telefone, na tarde fria da quarta passada (15) -antes do início da reprise de "Êta Mundo Bom!" (2016), no Vale a Pena Ver de Novo, novela em que a atriz interpreta Cunegundes, uma vilã tão má quanto atrapalhada.
A trama de Walcyr Carrasco é um grande sucesso de audiência nas tardes da Globo, e tem performance superior às reprises anteriores dos fenômenos "Avenida Brasil" (2012) e "Por Amor" (1997). Na terça (13), bateu recorde. Marcou 27 pontos no Rio de Janeiro (cada ponto equivale a 47.454 domicílios), e 23 pontos em São Paulo (cada ponto equivale a 74.987 casas na região).
Em 2016, antes de acabar a novela, Savalla conta que sugeriu ao autor que fizesse uma série só sobre as peripécias da família de Cunegundes e Quinzinho na Fazenda Dom Pedro 2º. "Porque esse núcleo não tem ligação com a história principal. Capa episódio poderia criar um mote diferente, então, dá para continuar por muito tempo, tipo 'A Família Buscapé'", afirma a atriz, em referência à série americana dos anos 1960.
Na época, porém, ela afirma que Carrasco não levou a ideia adiante porque já estava envolvido em outros projetos. Mas Savalla ainda diz acreditar ser possível fazer a série. "A ideia é maravilhosa e amaria fazer", revela ela, que só lamenta a ausência de Flávio Migliaccio (o ator, que morreu em maio, faz o papel de Josias).
Durante a quarentena, ela conta que não perde um capítulo de "Êta Mundo Bom!". Antes vê outra reprise, a de "Chocolate com Pimenta" (Globo, 2003-2004), que é exibida no Viva. Na história, também escrita por Walcyr Carrasco e com direção de Jorge Fernando (1955-2019), a atriz dá vida à vilã Jezebel, rica e requintada, bem diferente da caipira Cunegundes.
Em cerca de 40 minutos de conversa, com muito bom humor, mas também preocupada com a pandemia do novo coronavírus, Savalla falou sobre as personagens, sobre seus próximos projetos (ela deve estar na novela das sete que vai substituir "Salve-se Quem Puder"), e sobre o que tem feito na quarentena, como cuidar das orquídeas e ver séries e filmes ao lado do marido, Camilo Attila.
Leia os principais trechos da entrevista
MENSAGEM DE 'ÊTA MUNDO BOM!'
Apesar de a novela ter "muita gente má", Savalla destaca que a mensagem da trama é positiva e adequada ao momento. "Candinho [o protagonista vivido por Sergio Guizé] é muito puro e essa frase dele, 'tudo o que acontece de ruim na vida da gente é pra meiorá' é verdadeira", diz ela.
"Quando mais velha a gente vai ficando, a gente descobre que é isso mesmo. Às vezes, uma coisa que naquele momento você acha muito ruim, de repente abre-se uma janela imensa na sua frente. Se você não tivesse passado por aquilo, talvez, não conseguisse estar lá na frente fazendo o que está fazendo", complementa.
CUNEGUNDES E JEZEBEL
"A Cunegundes é uma personagem maravilhosa, mas muito difícil, porque ela é extremamente caricata. Ao mesmo tempo, ela é muito má. Coitada da Manuela [Dhu Moraes], o jeito que ela trata aquela empregada", diz.
Savalla conta que fazia questão de em muitas cenas, como quando ela não deixa Manuela ir para a cidade, atuar de forma a parecer bem malvada. "Você tem que ser muito má, deixar toda a sua culpa católica para trás, e frisar muito para o que o público veja, 'meu Deus, que mulher horrorosa'. E para que a personagem seja realmente um exemplo do que você não pode e não deve ser", diz.
Embora Cunegundes e Jezebel sejam vilãs, Savalla afirma que elas são muito diferentes. "A Jezebel é rica, sofisticada, ela gosta muito de joias e tal. A Cunegundes é toda torta, né, ela até gostaria de ser chique, mas não consegue."
PARCERIA COM ARY FONTOURA
Savalla destaca que muito do sucesso de Cunegundes vem da boa parceria que ela tem com Ary Fontoura, 87, que faz o papel do seu marido, Quinzinho, na trama. "Além de ser um grande ator, ele é uma grande pessoa."
A atriz se mostra impressionada com o sucesso de Fontoura nas redes sociais -ele já soma mais de 1 milhão de seguidores no Instagram. "Menina, não sei como ele consegue, a quantidade de coisas que ele posta com 80 e tantos anos. Eu só consigo resolver as coisas por telefone", conta, aos risos.
LIÇÕES DA PANDEMIA
Embora mantenha um perfil ativo no Instagram, rede em que soma em torno de 330 mil seguidores, Savalla assume que não tem muita paciência com as redes sociais. "Esse negócio de live, que está todo o mundo fazendo, eu acho que já perdeu a graça né."
Para ela, o mundo com a internet ficou muito acelerado, e as pessoas perderam o interesse em ouvir o que o outro tem a dizer. "O que eu acho péssimo", afirma. "Acho que a pandemia, de alguma forma, veio para isso, para cada um olhar mais para dentro, ouvir os próprios silêncios, e também ouvir e tentar entender o outro", completa.
Ela se diz assustada com até que ponto o ser humano pode chegar. "A gente tem que mudar tudo. E não estou nem falando do guarda que pisa no pescoço da mulher...Perdemos a nossa coisa mais bonita que é a preocupação com o outro [...] Ficou uma coisa tão narcisista: eu, eu, eu. O que é isso, gente?"
"Não é tão bom poder sair, dar um abraço. Agora, a gente está conseguindo valorizar isso. Se você puder estar com alguém, pega essa porcaria desse celular e vai usar em outro momento, em que você estiver sozinho."
POLARIZAÇÃO NEGATIVA
A atriz vê com preocupação a polarização que acontece hoje no Brasil e no mundo. Ela conta que recentemente assistiu ao documentário "Anne Frank - Vidas Paralelas", narrado pela atriz Helen Mirren, e observou semelhanças entre os momentos. Frank ficou conhecida por relatar em um diário (que se transformou depois em livro) a sua vida e a de sua família quando viveram em um esconderijo na Holanda, fugindo da perseguição nazista, durante a Segunda Guerra Mundial.
"A produção deixa bem claro a que lugar esse tipo de coisa [a polarização] pode nos levar e como o ser humano pode ser horroroso", afirma. "As pessoas têm o direito de seguir a religião que quiserem. Elas têm o direito de ser da cor que são. As pessoas são o que são pelo caráter delas, e não pela orientação sexual ou pela cor da pele", acrescenta.
ÓDIO AOS ARTISTAS
Para Elizabeth Savalla, aconteceu uma coisa "horrível" no Brasil: a estigmatização dos artistas. Na visão dela, é necessário limpar todo esse ódio que tem assolado o país. "Pouco importa se eu gosto de vermelho, amarelo ou de azul. O que importa é o que eu posso fazer com a minha arte, que eu possa de alguma forma entreter você ou fazer com que você pare para pensar."
A atriz salienta que, durante a quarentena, as pessoas voltaram a perceber a importância das produções culturais e da arte nas suas vidas. "O ser humano, ele precisa de alimento para o corpo, mas precisa da arte para o espírito. Imagine uma pandemia se a gente não tivesse a arte ou não tivesse produções como 'Êta Mundo Bom!' para ver? Seria de uma aridez imensa", afirma.
ORQUÍDEAS
Savalla conta que sabe de pessoas que aproveitaram a quarentena para fazer "muita ginástica, dieta e estão magérrimas". "Não é o meu caso, estou aqui de dona de casa, brincando de casinha". Por causa do trabalho, ela afirma que nunca conseguiu se dedicar muito às tarefas domésticas, mas está curtindo a novidade, embora em alguns dias tenha "vontade de se jogar pela janela", brinca.
A atriz também tem cuidado de suas orquídeas, flor que, segundo ela, não dá trabalho algum. "Você só molha uma vez por semana. É quando eu aproveito para conversar com elas também. Só tenho medo do dia que uma delas me responder, daí vai ser horrível, mas fora isso", afirma, aos risos.
AO LADO DO MARIDO
Savalla e o marido, o dramaturgo e produtor cultural Camilo Attila, estão juntos há 34 anos, mas viveram a maior parte do tempo em casas separadas. "Morar com outra pessoa é complicado, ainda mais que a gente sempre trabalhou junto, no teatro, nas produções. Então, o fato de cada um morar numa casa é bom, sabe", diz.
Agora na quarentena, porém, ela está na casa dele há mais de cem dias. Na verdade, desde "Êta Mundo Bom!", quando Attila teve um problema sério de saúde, Savalla vive mais tempo com ele, embora mantenha a sua casa "inteira e montada".
Ela conta que esse período, juntos, durante o confinamento, tem sido bom. "A gente só briga por bobagem, é uma questão de adaptação", relata. "À noite, a gente fica de mãozinha dada na cama assistindo séries ou filmes."
Sofre, por outro lado, com a falta de possibilidade de abraçar as pessoas, especialmente, os filhos Thiago, Diogo e os gêmeos Cyro e Tadeu, do primeiro casamento da atriz com o ator Marcelo Picchi. "Imagina as pessoas fazem aniversário e não se pode abraçá-las." A solução encontrada por ela foi mandar cestas de café da manhã ou outras comidas, como até mesmo um pedaço de picanha. "Já que ninguém pode sair, comida é um grande presente", diverte-se.
NOVA NOVELA
Savalla está escalada para a próxima novela das 19h da Globo, que vai substituir "Salve-se Quem Puder", e tem estreia programada para 2021. O título provisório da trama, escrita por Mauro Wilson, é "A Morte Pode Esperar", e traz quatro protagonistas vividos pelos atores Giovanna Antonelli, Mateus Solano, Vladimir Brichta e Valentina Herszage.
A atriz conta que ela fará a mãe de Brichta, um jogador de futebol que fez muito sucesso no passado, mas que agora está sem grana e quer voltar aos gramados. "Ela é uma dona de casa, muito católica, adora São Judas Tadeu, e o filho idem", relata.
A personagem dela, segundo conta, vai viver também um triângulo amoroso. Ela vai ficar dividida entre o seu ex-marido e pai do seu filho (ator que ainda não foi definido), e o treinador de Brichta, papel vivido por Marcos Caruso. "A história é muito boa, muito engraçada e divertida", conclui. (Em tempo: Para quem ficou curioso, além da influência da novela, o meu nome Karina foi escolhido porque era o jeito que o nonno, o avô italiano da minha mãe, Fátima, costumava chamá-la. Carina significa querida em italiano).