Coronavírus

Crianças não estão imunes ao efeito da pandemia

Sem aulas e com atividades de lazer limitadas, crianças se viram com sua rotina repentinamente alterada. Saiba como cuidar da saúde emocional dos pequenos neste momento

Pollyana Santana e os filhos Enzo e Yan - Arthur de Souza/Folha de Pernambuco
Os irmãos Enzo, 6 anos, e Yan, 2, sempre tiveram uma rotina bem estabelecida. Acordavam às 6h todos os dias e após um banho para despertar e um café da manhã reforçado seguiam para escola. As tardes sempre foram voltadas para brincadeiras e cochilos. Já no período da noite os dois faziam as tarefinhas escolares. Repentinamente, esses hábitos foram arrancados deles, que se viram trancafiados em casa sob a ameaça de um inimigo invisível. Diante de um cenário de incertezas, a saúde emocional dos pequenos passou a preocupar pais e especialistas, pois o isolamento imposto pelo novo coronavírus pode deixar marcas.

A dona de casa Pollyana Santana, 27, mãe de Enzo e Yan, conta que os filhos ficaram mais agitados e ansiosos durante a quarentena. Também foi observado alteração no sono e no apetite de ambos. “Eles querem dormir mais tarde e consequentemente não acordam cedo como antes. Enzo, que chegava da escola com muita gome, hoje já não sente mais a mesma vontade de comer”, comenta. Segundo Pollyana, às segundas, quartas e sextas-feiras, quando eles têm vídeoaulas, ela mantém uma rotina de horários a serem cumpridos. “Nos demais dias da semana deixo os dois um pouco mais à vontade e não forço tanto”, comenta.

De acordo com Silvia Maciel, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as crianças podem se adequar a diferentes situações, a depender de diversos fatores, tanto pessoais, quanto relacionais ou ambientais. “O processo de adaptação a quaisquer cenários está ligado ao modo como a mudança acontece. Se a criança tem uma relação segura com os adultos responsáveis com os quais convive, maior será sua facilidade de se adaptar. Se, ao contrário, a criança se sente vulnerável ou insegura em sua relação com os adultos, mais dificuldades de adaptação ela terá”, explica.
 
 
Ainda conforme a especialista, o estado emocional de quem convive com os pequenos pode afetar as crianças tanto positiva quanto negativamente. “Precisamos entender que as pessoas adultas também estão sendo afetadas (emocional, profissional e financeiramente) pela situação da pandemia. Em função disso, é fundamental que procurem cuidar de sua própria saúde mental para poderem lidar com tudo isso de maneira equilibrada e madura”, orienta, acrescentando que ao cuidarem de si mesmos, os adultos também preservam e cuidam das crianças sob sua responsabilidade.

A designer de unhas Danielle Soares, 33 anos, mãe de Joana, 4, sabe bem disso. Ela conta que após os primeiros dias do isolamento social sentiu o nível de estresse aumentar e ficou impaciente por ter que lidar com o trabalho e a filha simultaneamente em um maior período de tempo. “No começo da pandemia foi tranquilo. Tudo era novidade. Com o passar do tempo o clima foi mudando por não poder sair de casa. Passei a gritar com Joana, mas logo me dei conta que não podia ser assim, pois ela não tem culpa de nada. Comecei então a tentar me acalmar, parar e conversar. Hoje estamos mais calmas e amorosas uma com a outra”, fala.

Silvia Maciel afirma que para cuidar da saúde mental das crianças é preciso que mães, pais e cuidadores se disponibilizem a ouvir os pequenos, permitindo que eles manifestem suas emoções e sentimentos, seus medos, saudades, tristezas, alegrias, lembranças. “As crianças podem vir a expressar o que sentem com choro, birra, irritação, distanciamento e os adultos precisam aprender a lidar com essas reações com a maior tranquilidade e empatia possíveis, demonstrando seu amor através do abraço, da partilha da brincadeira, da disponibilidade para ouvir e entender o porquê de suas reações”, comenta.
 
Danielle Soares, 33, e a filha Joana, 4

Diante de tantas mudanças o sono das crianças também está sendo modificado. No entanto, a coordenadora do Departamento de Neurologia da Sociedade Pernambucana de Pediatria (Sopepe), a neurologista infantil Adélia Henriques-Souza, explica que adormecer é uma habilidade aprendida. “Portanto, cabe aos pais estabelecer horários para dormir e acordar. Criar uma rotina agradável, um ritual do sono, antes da criança ir para cama”, fala. Quarto escuro, com temperatura agradável e silencioso ajudam nesse processo. A médica também orienta que o coleito (dormir na cama dos pais) nunca é recomendado.

Outro grande desafio enfrentado pelos pequenos e que pode afetar a saúde emocional deles é o ensino a distância. As escolas precisaram se reinventar e estão correndo para se adaptar. Segundo a neurologista infantil é muito difícil para crianças abaixo de seis anos adaptar-se a esta nova abordagem didática e para as que têm menos de quatro anos é praticamente impossível. “Isto se dá pelo desenvolvimento cognitivo e inquietude motora normal nestas crianças. Insisto na necessidade da casa ter rotinas bem estabelecidas e cabe aos pais explicar aos filhos que existe o acesso ao computador para obrigações escolares e para divertimentos”. 

E é no uso de eletrônicos que os adultos devem ter outro cuidado. A médica homeopata e pediatra de orientação antroposófica Ângela Santana alerta para a grande quantidade de informações disponível na internet. “É preciso ter um filtro, pois há coisas que são nocivas e a criança não tem o pensamento concreto dos adultos. Elas precisam ter a fantasia e se você apresenta um mundo muito cru, muito duro, elas não só não entendem como ficam confusas e podem surgir distúrbios físicos e emocionais. Não se deve impedir que saibam o que está acontecendo, mas procurar responder de forma simples de acordo com a idade”, comenta. 

As crianças, normalmente, praticam atividades físicas nas escolas e estão sedentárias nesse período de isolamento. “Isso é muito maléfico pois promove ganho de peso, alteração no humor e na rotina de sono dos pequenos”, segundo a coordenadora do Departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sopepe, Bárbara Gomes. Ela explica que a prática de exercícios ajuda no crescimento e desenvolvimento da criança, além de divertir e promover o bem-estar psíquico melhorando o estresse emocional. “Pular corda, pular elástico, dançar, por exemplo, são atividades divertidas que podem ser feitas em família”, indica. 

Reação do vírus
Estudos apontam que geralmente as crianças são assintomáticas ou apresentam sintomas leves da Covid-19. Entre os sinais mais recorrentes estão febre e tosse, mas já foram relatados fadiga, congestão nasal, nariz escorrendo, diarreia e vômito. Contudo, a infectologista pediátrica Regina Coeli, do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), é preciso ficar sempre atento. “As manifestações ainda são bem variadas independente da faixa etária. Não há um padrão. Há crianças que podem evoluir para um quadro mais delicado, com necessidade de internamento porque tem alguma comorbidade, como diabete, asma”, disse.

Apesar de ter sido comprovado cientificamente que os pequenos são menos suscetíveis ao novo coronavírus, ainda não há uma explicação definitiva para isso. Regina Coeli explica que um dos motivos pode ser o status imunológico dos pequenos. “É o tipo de resposta que a criança tem e às vezes pode funcionar de forma protetiva. Porém, ainda está em estudo o porquê de as crianças evoluírem assim, teoricamente, de forma mais branda. Mas deve-se lembrar que elas podem evoluir com as complicações inerentes em cada comorbidade”, comentou a infectologista.

A médica aconselha as crianças a ficarem em casa para se protegerem, além de poupar grupos de risco, como os idosos, já que os pequenos podem estar com o vírus sem apresentar sintomas. “Os pais se mantenham alertas porque muitas crianças não vão poder usar máscara. Sempre ter o cuidado de mantê-las em casa, não aglomerar e qualquer sinal de cansaço, febre, procurar a avaliação de um médico, principalmente se tiver tido contato com adultos que tiveram Covid-19”, falou. Uma das poucas certezas é que o fim do isolamento não acarreta o fim da epidemia. Enquanto não criarem uma vacina, o vírus continuará circulando.