Bolsonaro está sorrindo diante da morte de milhares todo dia, diz Bárbara Paz
A atriz criticou ações do governo na pandemia e lembrou a vida e a obra do marido Hector Babenco
Bárbara Paz estava prestes a lançar no Brasil um documentário sobre a vida do cineasta Hector Babenco quando a pandemia atropelou os planos.
Ele "sobreviveu para fazer filmes e fez filmes para sobreviver", disse Paz, sua mulher entre 2010 e 2016 -ano em que Babenco morreu de câncer, depois de mais de 30 anos com a doença. "Ele se mantinha vivo por causa do cinema" e afirmava que "estar filmando é viver um dia a mais", disse a atriz.
"Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou", premiado no Festival de Veneza do ano passado e que tinha estreia prevista para março, deve finalmente chegar às salas de cinema dia 8 de outubro.
O documentário sobre o diretor de "Carandiru", de 2003, e "Pixote", de 1980, dirigido por sua mulher -e também a relação do casal, que misturava vida e arte- foram os principais temas da conversa de uma hora que Paz teve com Fernanda Mena, repórter especial da Folha de S. Paulo, em live transmitida pelo jornal nesta sexta (24).
Paz -que contou estar se descobrindo como cineasta, em paralelo a uma bem-sucedida carreira de atriz- manteve um tom emotivo e de agradecimento em relação aos anos que dividiu com Babenco. Ela disse que ele lhe deu "tudo", e esse tudo se traduzia em confiança e em indicar para ela qual caminho seguir.
Um desses caminhos é sua atuação como diretora de cinema, prestes agora a ganhar um novo capítulo com um projeto cujo roteiro foi escrito por Antônia Pellegrino. É "um filme sobre o silêncio e o barulho, supersensorial", diz Paz, sem revelar muitos detalhes.
A obra -de baixo orçamento- é a história de uma bailarina e deve se chamar "Silêncio", mas ainda não começou a ser filmada.
Paz contou que o roteiro se encaixa com sua maneira de filmar e com o momento em que está, investindo em seu olhar de cineasta após a recepção calorosa do documentário sobre Babenco em vários festivais.
O filme ganhou o prêmio de melhor documentário no Festival de Mumbai, em fevereiro, após ter sido premiado na mesma categoria no Festival de Veneza do ano passado. A primeira exibição no Brasil foi na Mostra de Cinema de São Paulo do ano passado.
O filme-homenagem registra os três últimos anos de vida do cineasta argentino naturalizado brasileiro, um dos mais importantes diretores nacionais, autor de clássicos como "O Beijo da Mulher-Aranha", que disputou o Oscar em 1986.
"Eu quis devolver para ele, ele, o cinema", afirmou Paz, acrescentando que o documentário é uma carta de amor para Babenco que todos podem ver. Junto do filme, Paz organizou o livro "Mr. Babenco", lançado pela editora Nós, que reúne transcrições de conversas que o casal gravou para o documentário com poemas do cineasta em português e em espanhol.
A atriz também falou sobre o poder transformador da tristeza durante a pandemia. Ela disse tentar não encobrir a dor com remédios e que, apesar de não estar e de não poder estar 100% feliz diante de um cenário em que o coronavírus tira milhares de vidas todos os dias, tem alguns momentos de felicidade.
O vazio e a tristeza gerados pelo isolamento social lhe ajudaram a criar obras que podem ter significados para outras pessoas, comentou. Paz ficou 50 dias trancada em seu apartamento no centro de São Paulo antes de entrar num carro e viajar por 18 horas até a Bahia para recuperar o contato com a natureza.
Neste período isolada e solitária, fez dois vídeos curtos, como pequenos diários visuais, para um projeto do Itaú Cultural, e também abriu uma conta no Instagram, o @projetosolidao, em que convida pessoas a darem sua versão sobre o que significa estar só por meio de poemas, músicas e rezas filmadas em preto e branco.
"A gente está na beira de um abismo, sem nenhuma certeza. Isso gera um incômodo", disse. "Se o mundo acabar ou parar hoje, onde eu estava quando o mundo parou? É uma pergunta que eu me faço. O que você vai fazer daqui até o fim? Quando voltar o mundo, você não vai deixar de pensar nisso por um segundo."
Ela também comentou sobre o papel dos artistas num momento de incertezas políticas, nos quais é cobrado um posicionamento claro dos criadores.
Sem mencionar pelo nome o presidente Jair Bolsonaro, Paz afirmou que a classe artística tem sido machucada neste governo que "não quer que ninguém pense" e que é impossível um artista ficar alheio a tantas ofensas da administração pública. "Um país sem cultura é um país sem alma."
Ela também criticou a atuação do governo diante da pandemia. "Mais de mil pessoas por dia morrendo e esse governo sorrindo."