Futebol

Histórias que se repetem: menina de dez anos denuncia bullying sofrido por jogar futebol

A recifense Larissa Silva, conhecida como Lari Gol, viralizou nas redes sociais após gravar um vídeo expondo a discriminação que vem sofrendo na rua por jogar futebol

Larissa Silva, jogadora do sub-12 do Agrestina FC - Cortesia

Com sonho de ser atleta de futebol, Larissa Silva precisou aumentar o tom de voz como gente grande. No último sábado, a menina de apenas dez anos gravou um vídeo que viralizou nas redes sociais, após denunciar o bullying que vem sofrendo simplesmente por jogar futebol - discriminação sofrida por muitas meninas que sonham em seguir carreira no esporte -. Em meio ao relato,  Lari Gol, como é conhecida, deixou claro o recado. “Eu quero ser jogadora e eu vou ser. O que eu quiser ser, eu vou ser”.

Aos cinco anos de idade, Larissa pediu a primeira bola de presente à sua mãe, Patrícia Araújo. Foi também nessa idade que a menina iniciou sua trajetória no futebol, no campinho ao lado de casa, no Vasco da Gama, Zona Norte do Recife. Os primeiros passos no esporte foram dados na companhia dos colegas de rua e, posteriormente, numa escolinha de futebol do bairro, onde treinava em meio a cerca de 20 meninos, relembra a menina. 

Pelo talento com a bola nos pés, Lari Gol foi indicada para começar a treinar no Agrestina FC - Centro de Treinamento e formação -, por onde disputa campeonatos locais, regionais, nacionais e até internacionais, sob o comando da técnica Fabya Santos. Pelo Agrestina, ela atua na categoria sub-12 e já carrega no currículo um vice-campeonato, no PE Cup, organizado pela Federação de Pernambuco de Futebol 7 Society. 
 

O vídeo gravado por Larissa, no sábado, no entanto, nada tem a ver com sua habilidade no futebol. Mais uma vez, seja na história passada ou recente, a voz feminina é levantada para repreender e pedir por questões básicas, como respeito. Impulsionada pelo sentimento de indignação, desta vez, Larissa foi pressionada a fazer o mesmo. 

“Eu quero falar um negócio sério que está acontecendo comigo muitas vezes. De o povo dizer que eu sou homem, que eu tenho dente quebrado. Estou com aparelho e, se Deus quiser, vou ajeitar. Não é ninguém que paga meu dentista. Não é ninguém que paga os meus treinos. Eu não gosto de dançar, como as meninas e nem por isso quer dizer que eu sou homem. Eu sou mulher e pode parar de me xingar”.

A firmeza no tom de voz chega a causar admiração aos que assistiram ao relato, ao passo em que o posicionamento de Larissa só reforça, na prática, o quão cedo mulheres são pressionadas a amadurecer na vida. Mas o recado está dado, dentro ou fora de campo. 

“Vocês vão estar me vendo na televisão. Eu quero ser jogadora e eu vou ser. O que eu quiser ser, eu vou ser. Eu gosto de usar roupa assim, minha mãe deixou e eu vou usar. É meu gosto, não o de vocês. Eu subi em casa chorando, mas não foi chorando de tristeza, foi de raiva. Eu não vou desistir. Eu tinha vergonha, mas, agora, nesse vídeo, tenho vergonha mais não. Me respeita, eu sou mulher, quero ser tratada bem. Eu sei que vou sofrer muito pela frente, mas eu vou deixar claro: eu sou mulher”.
 

 
 
 
 
 
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atleta de @fabyacsantos do @agrestinafc

Uma publicação compartilhada por larissa vitoria souza da silva (@lari.gol11) em 27 de Jul, 2020 às 10:43 PDT

Em meio às histórias que se repetem há séculos, um elo de gerações que se identificam em ações, gestos e palavras pelo mesmo propósito: reconhecimento no futebol. 

“Socialmente existe uma estrutura, mas a gente caminha. Larissa já está tendo a oportunidade de, positivamente, reverter isso. Existem padrões a serem insistentemente seguidos, mas, principalmente a nova geração, está vindo com uma firmeza maior para essa quebra. E, ao mesmo tempo, estamos tendo a oportunidade de não ficar caladas”, comentou, Fabya Santos. 

“Quando a mãe dela pediu para que eu ligasse para conversar com ela, porque ela estava triste, a primeira coisa que eu falei foi: ‘Lari, tia Fabya já passou por isso e ainda passa’. Nos campeonatos, eu sou praticamente a única mulher em Recife, que assumo a linha de frente de um time nas competições. É muito difícil ter mulher como técnica. Larissa passou o que eu passei lá atrás e eu continuo sendo uma Larissa nesse mundo do futebol”. 

Acolhida pelo time do coração

Depois da repercussão que o vídeo gravado por Larissa tomou, o Santa Cruz convidou a menina para um dia de visita ao Arruda, realizado na tarde desta terça-feira (28). A ocasião foi mais do que especial para a atleta, que tem o Tricolor como time do coração. O momento foi reservado para que a menina conhecesse o gramado do Arruda de perto, na companhia do capitão e líder do elenco coral, Danny Morais, responsável por entregar um kit da Cobra Coral à atleta. O zagueiro, inclusive, gravou um vídeo, na noite dessa segunda, parabenizando a garota pelo talento e dando suporte para que a jogadora mirim encontre dias melhores nos bastidores do futebol.