Supremo

Censura a bolsonaristas incomoda, mas STF não deve confrontar Moraes

O futuro imediato da medida tomada por Moraes no inquérito das fake news está nas mãos do ministro Edson Fachin

Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal - Agência Brasil

A decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes que tirou do ar perfis de bolsonaristas das redes sociais incomodou parte dos magistrados da corte, mas tem grandes chances de não ser alvo de contestação interna.

O futuro imediato da medida tomada por Moraes no inquérito das fake news está na mão do ministro Edson Fachin, que tem relatado manifestações de defensores sobre ações autorizadas no inquérito relatado por Moraes. Fachin vai analisar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) ajuizada no sábado (25) pelo presidente Jair Bolsonaro, com respaldo da AGU (Advocacia-Geral da União), em que pede liminarmente ao plenário do Supremo a suspensão de quaisquer decisões judiciais que tenham bloqueado, interditado ou suspendido perfis de redes sociais até o julgamento final da ação.

O documento não cita a decisão que bloqueou perfis de apoiadores de Bolsonaro, medida determinada por Moraes, mas diz que não há respaldo jurídico para que "suspendam previamente o exercício da liberdade de expressão em plataformas de redes sociais".

Figuras como o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB), Sara Giromini (conhecida como Sara Winter), o blogueiro Allan dos Santos e os empresários Luciano Hang (Havan) e Edgard Corona (Smart Fit), alvos de investigação no âmbito do inquérito das fake news, tiveram suas contas suspensas.

Nos bastidores, a avaliação reservada feita por ministros do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e auxiliares próximos de outros dois magistrados do Supremo é a de que nem Fachin nem o plenário do Supremo dão sinais de que vão desautorizar Moraes.

Na decisão, Moraes afirma que o bloqueio foi determinado "para a interrupção dos discursos com conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática". Em gabinetes no STF, houve a avaliação de que o ministro pode ter se excedido na decisão e ferido a liberdade de expressão dos bolsonaristas.

Na avaliação de ministros e auxiliares, porém, o sentimento de autoproteção do tribunal tem falado mais alto no debate sobre contestações ao inquérito das fake news. Outro ponto que deve esfriar a discussão é a sinalização dada pelo presidente Dias Toffoli a colegas, de que não tem a intenção de pautar a Adin. O mesmo se espera de Luiz Fux, que assume em setembro.

Em junho, por 10 votos a 1, o STF decidiu pela legalidade das investigações. Contudo, avaliam auxiliares de ministros ouvidos pela Folha, não é possível prever como agirá Fachin. Em outros casos, o ministro foi contra o pensamento majoritário e se posicionou a favor da liberdade de manifestação.

Em 14 de março de 2018, em sessão da 2ª Turma, enquanto Toffoli, Celso de Mello e Gilmar Mendes defendiam a tese de que o abuso no exercício da liberdade de expressão não pode ser tolerado no caso de um pastor, Fachin votou a favor de um habeas corpus do religioso que usava o YouTube para ataques nas redes. À época, o ministro alegou o direito do réu se manifestar. Fachin foi voto vencido, e o STF manteve a condenação do pastor.

O advogado Luiz Paulo Cunha, que defende Jefferson, afirmou que a decisão de Moraes é uma "aberração antidemocrática e sem precedentes". "Estamos vivendo uma censura prévia", disse.

A tese de censura prévia é questionada por ministros do STF e investigadores ouvidos pela reportagem. Segundo eles, já havia caracterização de crime anterior à medida cautelar. Para um magistrado, o que Moraes fez foi tirar a "metralhadora da mão do atirador".

Um ministro acha que a decisão de Moraes é valida porque há um vácuo legal sobre as responsabilidades dos servidores e das redes sociais em relação às postagens feitas em seus ambientes virtuais. A discussão está em tramitação no Congresso. A depender das regras de moderação que o projeto de lei sobre fake news impuser às redes sociais, especialistas consultados pela reportagem acreditam que a medida poderia dar às plataformas um papel que, na verdade, cabe ao Judiciário.

Entre os exemplos mencionados estão desde a previsão de remoção obrigatória de determinado conteúdo até a criação de um direito de resposta a quem se sinta ofendido por determinada postagem. O procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou contra o bloqueio de perfis nas redes em ao menos duas manifestações ao STF.

Em recente parecer, nos autos de um habeas corpus em favor do empresário Otávio Fakhoury, investigado no inquérito das fake news, Aras afirmou que o bloqueio de contas em redes sociais é desproporcional, "por serem as manifestações apontadas expressões de crítica legítima –conquanto dura–, amparadas pela liberdade de expressão".

Em maio, ele já havia feito comentário semelhante. Auxiliares de Aras afirmam, no entanto, que é preciso separar bem os assuntos. Uma coisa, dizem, é a questão de ativistas políticos que fazem a defesa nas redes sociais de um governo, com eventuais ataques a instituições e autoridades. E que precisa ser analisado caso a caso. Outra é discutir de forma genérica, no bojo de uma ação, uma agressão a um artigo da Constituição Federal.