Gilberto Gil já fez com que o mundo olhasse o Brasil com respeito, diz Teresa Cristina
Em live, artista cantou trecho de música inédita e disse que o racismo a atravessa desde a infância
As transmissões ao vivo da cantora Teresa Cristina, sambista que ganhou o título de "rainha das lives" durante a pandemia, surgiram como uma forma de ocupar a cabeça com outros temas e fugir, na medida do possível, das notícias ruins do dia a dia.
A atividade, no entanto, acabou dando notoriedade inédita à carioca. Ela passou a receber, durante as transmissões, artistas como Gilberto Gil, que ela afirma, em live da Folha de S.Paulo, "já fez com que o mundo olhasse o Brasil com respeito" quando ministro da Cultura.
Em uma troca de papel, ela foi entrevistada no Ao Vivo em Casa, série de conversas da Folha de S.Paulo, pela jornalista Fernanda Mena nesta sexta-feira (31), e cantou um trecho de uma música inédita escrita nas duas primeiras semanas de pandemia no Brasil, chamada de "Samba em Vão".
Na conversa, Teresa mostrou que, apesar de se ocupar com a estruturação das lives, que já chegaram a durar cinco horas, está atenta ao noticiário. "A população brasileira adormece com muita facilidade", disse, comentando os casos mais recentes de violência policial e racismo.
"Como pode um país em que um policial dele põe o peso todo dele no pescoço de uma mulher negra? E aí, lá nos Estados Unidos, a gente sabe o nome e o sobrenome do homem negro que morreu daquele jeito horrível. Aqui, essa mulher não tem nem nome."
A cantora - que afirma ser uma nova Teresa depois de suas transmissões ao vivo - diz que mesmo as lives, que pretendem ser um entretenimento, são políticas. "Tudo é política: a música, a ação. Ela está em nossa volta e a gente está sendo escravo, inclusive, de ações políticas", disse.
"Temos um presidente que destrata mulheres, negros, LGBTs. Um presidente que, no meio de uma pandemia, fala que máscara é coisa de viado. Acho até que é coisa de viado, de sapatão, de mulher, de preto, de trans, de gays, só não é de gente como ele."
Na conversa, a carioca também comentou sobre a importância de Candeia em sua formação. Ela atribui à obra do sambista a retomada de orgulho de ser uma mulher negra.
"O racismo não me impacta, ele me atravessa desde a minha infância", afirmou. "A minha natureza era expansiva e extrovertida. Com tantos ataques que eu vim sofrendo no colégio, das pessoas lembrarem que eu era preta, com xingamento e agressão, eu fui me recolhendo, fui entrando para dentro de mim."
Com a obra de Candeia, ela se deparou "com uma ode à ancestralidade, à pele preta, tão linda, tão rica e tão forte".
No período de quarentena, a artista já fez mais de 160 lives, que totalizaram mais 400 horas ao vivo. Ela também ganhou, em média, mil seguidores por dia na plataforma, e algumas de suas conversas tiveram 15 mil pessoas simultaneamente.
"Eu saio diferente, mais leve, com menos cobrança comigo", diz sobre a experiência de fazer as transmissões. "Eu me permito errar, me permito cantar músicas que eu não sei cantar, mas que tem a ver com o tema e que seria interessante falar da canção", diz.
Para ela, fazer as lives, estruturar os temas e canções correspondentes, são um processo quase terapêutico para enfrentar esse período de isolamento social.
"O Brasil não está animando a gente, mas é tão boa a sensação de que temos um lugar de acolhimento, aconchego e de relaxar também", diz. "Eu consigo sorrir [na live], algo que não consigo fazer muito durante o dia."