Congresso deve limitar plano para tirar obras de habitação e saneamento do teto de gastos
A regra do teto de gastos impede o crescimento das despesas públicas acima da inflação
Ministros da área de infraestrutura e do Palácio do Planalto articulam com parlamentares uma forma de conseguir driblar o teto de gastos neste ano e liberar verba para obras, como saneamento e habitação, sem a trava fiscal. A manobra, porém, enfrenta resistência no Congresso e a percepção é que não vai avançar, pelo menos integralmente, no Legislativo.
A regra do teto de gastos impede o crescimento das despesas públicas acima da inflação.
O plano já gerou críticas, especialmente do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por prever ações que não têm ligação com preservação da saúde pública no ano marcado por perdas com a pandemia.
Mesmo mais enxuta, a proposta é rejeitada também pelo Ministério da Economia. Assessores do ministro Paulo Guedes (Economia) ressaltam que as obras seriam pagas apenas em anos posteriores, quando não deve haver a flexibilização de normas provocada pela pandemia.
Além disso, o TCU (Tribunal de Contas da União) já tem indicado que a liberação para gastos ligados à pandemia precisa ser limitada a 2020.
O embate dentro do governo opõe novamente a equipe de Guedes a um grupo de ministros, como Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), Luís Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura).
Essa ala defende que o governo impulsione investimentos públicos como forma de acelerar a recuperação econômica após a crise provocada pelo novo coronavírus.
Mas há também, segundo avaliação de integrantes do governo, um componente político. Aumentar obras, por exemplo, de gestão de recursos hídricos tem forte impacto na popularidade do governo em regiões mais pobres. Ou seja, há a chance de a medida ter efeito nas eleições, inclusive na presidencial de 2022.
Outro fator citado é o apoio político do presidente Jair Bolsonaro no Congresso, que pode se elevar diante de negociações com parlamentares para que obras públicas sejam financiadas com recursos de emendas de deputados e senadores.
Congressistas usam esse instrumento para apadrinhar projetos e elevar seu capital político.
A nova investida, encabeçada por Marinho, é usar um projeto que já tramita na Câmara para que algumas obras sejam consideradas necessárias para enfrentar a calamidade pública causada pela Covid-19 e, assim, possam ficar livres da limitação do teto de gastos.
Uma avaliação feita com líderes do Congresso mostrou uma forte resistência à ideia de excluir projetos de habitação fora do teto, pois isso colocaria em risco a credibilidade da regra fiscal.
O plano, então, foi enxugado para uma nova tentativa de acordo entre partidos.
Maia ainda é crítico à proposta de flexibilizar a limitação das despesas.
Técnicos da equipe de Guedes argumentam que, se o Congresso burlar o teto, agências de classificação de risco poderão reduzir a nota do Brasil, afastando investidores. Portanto, eles afirmam que o investimento com dinheiro do Orçamento seria pouco em relação aos danos na imagem do país no exterior.
As tratativas com o Congresso envolvem um projeto do deputado Mauro Benevides (PDT-CE) que liberar recursos parados em fundos públicos, como fundo de garantia às exportações e fundo nacional de aviação civil, para bancar a alta de despesas em ano de pandemia.
A proposta de Benevides é aliviar a necessidade de o Tesouro Nacional lançar novos títulos de dívida pública para financiar os gastos. A estimativa é que entre R$ 170 bilhões e R$ 180 bilhões sejam desvinculados dos fundos. Esse dinheiro ficou como estoque de anos anteriores.
No entanto, uma ala do governo defende que parte dessa verba seja destinada a obras públicas e que o projeto também liste projetos que podem ser executados fora da limitação do teto de gastos.
Procurado, o Ministério da Infraestrutura disse que não participa de negociações para retirar obras da limitação do teto de gastos e que a regra fiscal deu início a uma trajetória de recuperação fiscal do país. O Ministério do Desenvolvimento Regional não comentou.
A versão original do projeto de Benevides prevê que o dinheiro seja usado em medidas já adotadas, como o auxílio emergencial (pago a trabalhadores informais e desempregados na pandemia) e ações de proteção ao emprego.
Para a equipe econômica, a mudança negociação por Marinho com o Congresso cria novas despesas e desvirtua o objetivo inicial do projeto.
Técnicos dizem acreditar que isso seria uma manobra, pois, se as despesas almejadas pela área de infraestrutura do governo tivessem relação à pandemia, os gastos já estariam aprovados e liberados por meio de crédito extraordinário.
A regra do teto permite que despesas inesperadas sejam realizadas por crédito extraordinário. Isso foi feito, por exemplo, com o auxílio emergencial.
Outra frente de ameaça ao teto, na avaliação de especialistas, veio da própria equipe de Guedes, que propôs usar dinheiro do Fundeb (fundo de educação básica) para colocar em prática a ideia de voucher-creche. O Fundeb não é limitado ao teto.
O projeto apresentado pelo Ministério da Economia a congressistas era para famílias de baixa renda receberem dinheiro e, com isso, pagarem creches privadas para os filhos.
O Congresso rejeitou esse plano, mas integrantes do governo ainda não desistiram da ideia e negociam com parlamentares um projeto para permitir que recursos do Fundeb sejam vinculados ao programa social, chamado de Renda Brasil, em elaboração pelo Executivo.
Membros do time de Guedes que apresentaram a proposta negam que isso seja uma maneira de burlar o teto de gastos, pois a verba seria destinada a creches e educação infantil. Economistas, no entanto, acusam o governo de tentar realizar uma contabilidade criativa.