BELARUS

Dona de casa que desafiou autocrata na Belarus rejeita resultado da eleição

"Só acredito em meus próprios olhos, e tínhamos a maioria", afirmou a candidata Svetlana Tikhanovskaya

Candidata de oposição Svetlana Tikhanovskaya - Sergei GAPON / AFP

 Após uma noite de protestos e prisões em várias cidades bielorrussas, a candidata de oposição Svetlana Tikhanovskaya rejeitou, nesta segunda (10), o anúncio oficial de vitória do Alexander Likashenko com 80,23% dos votos."Só acredito em meus próprios olhos, e tínhamos a maioria", afirmou a candidata à imprensa da Belarus, em Minsk.

Pelos números da comissão eleitoral, ela obteve 9,9%. Não há pesquisa política independente na Belarus, mas ambos os números são considerados questionáveis por analistas políticos. Tikhanovskaya, 37, uma dona de casa e mãe de dois filhos que assumiu a candidatura depois que seu marido, o blogueiro Siarhei Tikhanovski, foi preso pelo regime de Lukachenko, afirmou que a eleição foi "extensamente fraudada". Durante a eleição, sua candidatura, que uniu várias campanhas de oposição reprimidas por Lukachenko, levou dezenas de milhares às ruas do país. Um dos comícios superou 50 mil participantes, segundo analistas.

Na noite de domingo (9), após divulgação de pesquisa de boca de urna oficial indicando 80% dos votos para Lukachenko, manifestantes tomaram as ruas e foram reprimidos com violência incomum, segundo analistas. Além de canhões de água e gás lacrimogêneo, houve uso de balas de borracha e granadas de efeito moral, que não costumam ser usadas pela polícia nesse tipo de repressão. Segundo a agência de notícias russa RIA, o Ministério do Interior afirmou que cerca de 3.000 pessoas foram presas.

Vídeos e fotos mostram manifestantes sangrando, e há relatos de que um deles tenha morrido atropelado por um carro de polícia, mas o Ministério do Interior disse nesta segunda que não há registro de mortes. Novos protestos são esperados para esta noite.

Houve relatos de zonas eleitorais com mais de 100% de comparecimento, eleitores proibidos de votar embora aguardassem em fila quando as urnas fecharam e observadores impedidos de permanecer nos locais de votação. A equipe da candidata independente afirmou que vai pedir recontagem de votos nessas seções. A ausência de pesquisas e de observadores independentes e a repressão aos manifestantes levaram países europeus a pedir uma ação da União Europeia.

Em carta aos presidentes da Comissão Europeia e do Conselho Europeu, o governo polonês pediu uma reunião extraordinária para discutir a situação de Belarus. O Conselho disse à Folha que não há reuniões previstas para discutir Belarus, mas a situação está sendo "acompanhada de perto" para determinar que medidas tomar.

Outro governo vizinho, o da Ucrânia, pediu moderação em um comunicado após o anúncio da vitória de Lukachenko, no poder há 26 anos e apelidado de "o último ditador da Europa". O relator permanente do Parlamento Europeu para a Belarus, Petras Austrevicius, afirmou que houve "fraude excessiva dos procedimentos eleitorais" e que a situação do país "requer uma resposta clara e forte da União Europeia". Ele quer que o bloco ofereça asilo para opositores ameaçados e reveja suas relações com o país.

Em comunicado comum nesta segunda, o alto representante para Relações Internacionais da UE, Josep Borrell, e o comissário de Vizinhança e Expansão do bloco, Olivér Várhelyi, pediram a "libertação imediata de todos os detidos".
"Só a defesa dos direitos humanos, da democracia e de eleições livres e justas garantirá a estabilidade e a soberania na Belarus", diz o comunicado, em que Borrell afirma também estar avaliando a melhor resposta da UE e as relações do bloco com o país da Europa Oriental.

Sem experiência política, Tikhanovskaya afirmara durante a campanha que, se eleita, convocaria novas eleições livres para a escolha do presidente. Nesta segunda, ela pediu a abertura de negociações sobre a transição pacífica para um novo governo. Assim que o resultado final foi anunciado, o presidente reeleito foi cumprimentado pelos líderes da Rússia, Vladimir Putin, e da China, Xi Jinping.