Acolhimento transforma vida de ex-morador de rua
"Senso crítico social" desperta atenção de voluntários, que ressignificam vida de Seu Edmilson
É possível que Seu Edmilson Lopes de Lima enxergue a si mesmo sentado do outro lado da calçada. Os 55 anos de vida podem colocar em dúvida a nitidez daquela visão - há pouco tempo, era a idade quem lhe trazia mais incertezas -, mas ele deverá se reconhecer. Porque era ali que ele ficava, de braços cruzados, sorriso amuado, esperando simpático a fila melhorar. Pelo menos foi o que garantiu a Gustavo do Vale, voluntário do Grupo Samaritanos, então recém-chegado ao Projeto Unificado, e responsável no dia por ordenar a sequência de pessoas em situação de rua que aguardariam pelo prato de comida. Poderia ser a única oportunidade para muitas delas em se alimentar. Também era para Seu Edmilson Lopes. Mas ele resolveu esperar.
“Ele me disse: ‘deixa eles irem primeiro, eles têm pressa, tem comida para todos, depois entro na fila com calma’. É questionador como uma pessoa que vive nas ruas; que acorda de madrugada, vem de Olinda ao Centro do Recife para ter a oportunidade de se alimentar - necessidade básica da vida de um ser humano -, possuir esse senso crítico social tão forte”, contou Gustavo. A curiosidade sobre Seu Edmilson o fez descobrir que aquele homem desempregado e divorciado vivia há oito meses na rua. Tinha no auxílio emergencial de R$ 600 do Governo Federal a única fonte de renda que o fazia sonhar em “comprar um barraco”.
Chegou a acumular R$ 1,3 mil até perder tudo junto com a mochila furtada poucos meses atrás. E pensar que grande parte de uma vida totalmente alheia a vícios teve carteira assinada. “A essa altura, como gestor de uma indústria de pescado, já estava entrevistando-o sem ao menos me dar conta que isso acontecia”, relembrou Gustavo. “E no último dia de Projeto (Unificado) no formato físico, acordei com o sentimento de poder ajudá-lo de alguma forma. Ao final da noite, o convidei para fazer um teste na empresa onde trabalho, a Carapitanga”.
Seu Edmilson é hoje um homem empregado. Serviços Gerais. “Em poucos dias estava recebendo elogios de todos que trabalhavam diretamente”, afirmou Gustavo. Ele também não mora mais na rua. Diminuiu o risco de novos furtos protegido por um quarto mobiliado no centro da cidade, conseguido graças aos esforços de Gustavo e Rafael Araújo, presidente do Samaritanos, através de projeto da Pastoral do Povo da Rua, da Arquidiocese de Olinda e Recife.
Na quinta-feira Seu Edmilson terá compromisso depois do trabalho. Uma atribuição que fez questão de pedir ao empregador Gustavo: pretendia se voluntariar e acompanhar as rondas noturnas que levam alimento e doações a pessoas em situação de rua. Então, é possível que seu Edmilson Lopes de Lima enxergue a si mesmo sentado do outro lado da calçada. Apesar de qualquer incerteza, ele não terá dúvidas que lá haverá outro homem carente de uma oportunidade.
Ação
Vários grupos independentes fazem a distribuição de comidas pela cidade do Recife. O coletivo Unificados pela População em Situação de Rua (PSR) surgiu durante a pandemia do coronavírus como uma iniciativa para fazer uma força de atuação única. Alocados no Armazém do Campo, no Centro, o projeto conseguiu distribuir alimentação todos os dias para a população de rua. Ao todo, em 120 dias, foram mais de 700 voluntários, distribuindo mais de 220 mil refeições e 2.000 cestas básicas. O grupo também tem um ponto de apoio no Liceu. Além de alimentação, a população é assistida com higiene, apoio social, médico, jurídico e com doação de roupas.