coronavírus

O enigma da Espanha, mais uma vez na linha de frente da pandemia

Com 143 novos casos a cada 100 mil habitantes nas duas últimas semanas, sua taxa de contágio supera de longe a de seus vizinhos

Coronavírus na Espanha - Ooscar Del Pozo / AFP

Apesar de ter vivido um dos confinamentos mais rigorosos do mundo, da obrigatoriedade generalizada do uso de máscara e da realização de milhões de testes, a Espanha volta a ser um dos países mais afetados pelo coronavírus, um caso à parte que intriga epidemiologistas e sociólogos.

A Espanha já era um dos países com os números mais altos de mortes, mais de 28.800 segundo a contagem oficial. Agora é o país da Europa ocidental com maior número de casos diagnosticados, aproximadamente 386.000.

Com 143 novos casos a cada 100.000 habitantes nas duas últimas semanas, sua taxa de contágio supera de longe a de seus vizinhos (na França são 50, por exemplo), de acordo com um cálculo realizado pela AFP a partir de dados oficiais. As autoridades reiteram que um dos fatores que explicam esse aumento é a maior realização de testes.

A Espanha fez mais de 5,3 milhões de testes desde o início da epidemia, equivalente a 11,5% de sua população. Um dado que, no entanto, é menor que os da Alemanha (12,2%), Itália (12,8%), Bélgica (13,6%) e Reino Unido (22,1%).

Como a Espanha chegou a este ponto? Seria pelo modo de vida apegado ao contato físico e à convivência das gerações? Ou foi a gestão de saúde diferenciada?  

Um confinamento draconiano
Alguns especialistas questionam os efeitos do confinamento draconiano aplicado desde meados de março até 21 de junho.

Durante o confinamento, suavizado no último mês e meio desse período de forma muito gradual, os espanhóis só podiam sair sozinhos e por razões de necessidade. 

Sair para passear ou praticar esportes foi proibido até o começo de maio e, durante seis semanas, as crianças não tinham permissão de sair sob nenhuma hipótese, um regime mais restritivo do que o aplicado aos cães, que podiam passear desde o início.

"A severidade do confinamento" e, logo em seguida, "o desejo de fazer as coisas que não eram permitidas causou um efeito rebote", afirma Salvador Macip, médico pesquisador na Universidade de Leicester e autor de "As Grandes Epidemias Modernas".

Macip destaca também os erros de comunicação de algumas autoridades, que apresentaram as normas de conduta como uma "nova normalidade", "sem explicar que tudo isso não era normal e que era necessário agir com vigilância".

Uma explicação parecida com a de Jorge Ruiz Ruiz, sociólogo no Instituto de Estudos Sociais Avançados: "o isolamento absoluto pode não ter sido uma boa estratégia para promover a responsabilidade social dos cidadãos", uma vez recuperada a liberdade.  

Falta de coordenação
Diante do aumento dos casos, o governo adotou em meados de agosto uma série de medidas direcionadas às saídas noturnas: fechamento de boates, restrição de horários para bares e restaurantes e uma medida inédita: a proibição de fumar na rua quando não for possível garantir a distância de segurança.

Tudo isso somado à obrigação da máscara no espaço público e à recomendação de limitar as reuniões constitui, nas palavras de Jorge Ruiz Ruiz, um conjunto de regras "extremamente difíceis de serem cumpridas" pelos jovens.

Entre o final de junho e início de julho, a Espanha reabriu suas fronteiras sem restrições. Mais de dois milhões de estrangeiros viajaram para o país de avião em julho, segundo o governo.

As autoridades acreditam que a circulação do vírus também aumentou por outro tipo de migração: a dos trabalhadores agrícolas sazonais, que se deslocam de uma região para outra do país de acordo com as campanhas de colheita e vivem em condições bastante precárias.