Família Bolsonaro tenta influenciar sucessão do Ministério Público do Rio
A família do presidente Jair Bolsonaro decidiu tentar influenciar a escolha do novo procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro. O nome a ser escolhido em dezembro comandará o órgão responsável pelas investigações contra o senador Flávio e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Flávio aposta que a escolha do novo chefe do Ministério Público estadual será feita pelo atual vice-governador Cláudio Castro (PSC), de quem tem se aproximado. O senador avalia que o afastamento de Wilson Witzel (PSC), ex-aliado e atual adversário, é iminente.
Alvo de processo de impeachment, o atual governador já foi aconselhado a sinalizar ao senador que aceita indicar um nome com seu aval a fim de tentar reconstruir pontes com a família presidencial. A negociação também serviria para tentar agradar deputados estaduais, que temem as investigações do órgão.
O último mandato do procurador-geral Eduardo Gussem foi marcado pelas críticas públicas feitas pelo senador à investigação sobre seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa. O filho do presidente é suspeito de recolher parte dos salários de seus funcionários para pagar despesas pessoais, além de criar um esquema de lavagem de dinheiro com imóveis e com uma loja de chocolates.
Carlos, por sua vez, é suspeito de empregar funcionários fantasmas em seu gabinete na Câmara Municipal. Investigadores avaliam que a "rachadinha" atribuída a Flávio também pode se estender aos assessores do irmão.
O mandato de Gussem termina em dezembro. A campanha para a eleição interna se inicia em setembro.
A Constituição fluminense impede a repetição da estratégia adotada pelo presidente, que ignorou os três nomes mais votados pela categoria ao escolher Augusto Aras para chefiar a Procuradoria-Geral da República. O governador fluminense é obrigado a optar por um nome da lista tríplice eleita internamente.
A interlocutores o senador tem dito não ser necessário interferir na eleição interna, mas considera natural ser consultado pelo governador como num gesto de aproximação com o Palácio do Planalto. Flávio expôs a aliados que o perfil ideal seria um nome que distencione o que considera um clima político no órgão.
Aliados dos Bolsonaro, contudo, buscam uma opção própria que consiga votos para entrar na lista.
Ainda assim, atender aos desejos da família presidencial poderá levar à quebra de uma tradição. Há 15 anos o escolhido é o mais votado da lista. Os candidatos também costumam se comprometer, por escrito, a recusar a indicação caso não lidere o pleito entre seus pares.
As pessoas ligadas aos Bolsonaros sabem ser difícil que seu escolhido seja o mais votado, por resistência dentro da categoria.
O preferido do grupo do senador é o procurador Marcelo Rocha Monteiro, que em suas redes sociais publica textos alinhados com as bandeiras do presidente. Entre os textos, há críticas abertas aos membros do STF (Supremo Tribunal Federal).
Monteiro disse à reportagem que ainda não se decidiu sobre a candidatura. Afirmou que tem sido estimulado por colegas do próprio MP-RJ, mas negou qualquer contato com a família Bolsonaro.
"Não conheço ninguém da família Bolsonaro. Minha dúvida se deve a questões familiares e uma avaliação pessoal", disse ele.
Questionado se, caso tente o cargo, se comprometeria a apoiar a escolha do mais votado pelo governador, ele respondeu: "Ainda nem decidi sobre a candidatura. Muito menos isso."
Monteiro é também vice-presidente do Conselho de Segurança Pública criado por Witzel, a quem conhece desde os tempos de magistratura.
O governador já recebeu sinalizações de que o procurador é, atualmente, o preferido da família presidencial. Mas prevê dificuldades para o amigo na eleição interna, em razão de seu estilo visto como mais radical.
Dentro do MP-RJ são consideradas como postas três pré-candidaturas: a procuradora Leila Costa, e os promotores Virgílio Stavridis e Luciano Mattos. Os dois últimos são apontados como favoritos.
Stavridis é chefe de gabinete de Gussem, de quem tem a simpatia. É visto como um nome mais voltado para a gestão interna do órgão. Mattos, presidente da associação da categoria por seis anos (2013-2018), é considerado um pré-candidato com um perfil mais político, próximo do ex-procurador-geral Marfan Martins Vieira.
Pessoas ligadas a Mattos têm tentado estabelecer uma ponte entre o promotor e Flávio Bolsonaro a fim de que seu nome não enfrente resistência e possa ser uma alternativa sem traumas. Um encontro entre os dois ainda não ocorreu.
Mattos negou qualquer articulação política por sua pré-candidatura e afirmou que defenderá a escolha do mais votado na lista tríplice.
Stavridis disse que não poderia comentar em razão do cargo que atualmente ocupa na gestão. Costa não retornou aos contatos da reportagem.
O cargo de procurador-geral ganhou mais importância para as investigações sobre Flávio após o Tribunal de Justiça definir que o senador tem direito ao foro especial. Neste caso, é o próprio chefe do MP-RJ quem tem atribuição para conduzir as apurações e oferecer eventual denúncia contra o senador.
O MP-RJ também defende junto ao STF a revogação da decisão do tribunal, tese que poderá ser reavaliada pelo novo PGJ.
Carlos, por sua vez, perdeu foro especial após o Supremo considerar suspenso o dispositivo que previa este benefício a vereadores do Rio de Janeiro. O chefe do MP-RJ não tem poder para interferir nas investigações de promotores que atuam na primeira instância. Mas pode desfazer estruturas especializadas criada na atual gestão.
O Gaecc (Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção) é o responsável por prestar auxílio aos promotores em investigações consideradas complexas. Ele conta com equipe própria para a realização de diligências.
É este o grupo responsável pelas investigações de Flávio e Carlos.
Outra estrutura que tem tido destaque nacional é o Gaeco (Grupo de Atuação Especializada contra o Crime Organizado), responsável pela investigação de milícias e do homicídio da vereadora Marielle Franco (PSOL).
A ala do MP-RJ que resiste à interferência externa avalia que um nome com vínculos políticos claros dificilmente teria apoio da categoria. A ausência da assinatura de compromisso de apoio ao mais votado significaria, por esta avaliação, inviabilizar a candidatura.
Esse grupo crê que, caso haja risco de um nome ser escolhido à revelia da corporação, é possível articular outras três candidaturas a fim de excluir um nome da lista a ser submetida ao governador. Na eleição, cada membro pode votar em três nomes, permitindo a estratégia da exclusão.
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ENTENDA AS SUSPEITAS SOBRE FLÁVIO
Como começou a investigação?
A origem foi a Operação Furna da Onça, da Lava Jato do Rio, que apurava o pagamento de propina pelo ex-governador Sérgio Cabral a deputados estaduais. Em meio a essa investigação, o Coaf, órgão de inteligência financeira, encontrou movimentações financeiras atípicas feitas por assessores de deputados. Entre eles estava Fabrício Queiroz, que até 2018 foi funcionário comissionado do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. Em janeiro de 2018, o MP-RJ recebeu dados dessa operação e abriu investigações.
O que o Ministério Público concluiu?
Após uma operação feita em dezembro de 2019 que cumpriu mandados de busca e apreensão contra Flávio, Queiroz e outros ex-assessores do gabinete, o Ministério Público disse haver indícios de que Flávio lavou até R$ 2,3 milhões com transações imobiliárias e sua loja de chocolates, mantida em um shopping no Rio. Para os promotores, a origem desses recursos é o esquema de "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio, operado por Queiroz.
O que é "rachadinha"?
Nesse tipo de esquema, servidores públicos ou prestadores de serviços da administração são coagidos a repassar parte de seus salários a políticos ou assessores dos gabinetes.
A PF também investigou Flávio? O que concluiu?
Sim. A apuração teve origem em uma queixa-crime baseada na evolução patrimonial de Flávio e mirou negociações de imóveis feitas por ele, para verificar suspeitas de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica eleitoral. A PF concluiu que não houve irregularidades, diferentemente do MP-RJ.
Quais são as suspeitas sobre Queiroz?
Segundo o MP-RJ, 11 assessores vinculados ao então deputado Flávio repassaram ao menos R$ 2 milhões a Queiroz, de 2007 a 2018, sendo a maior parte por meio de depósitos em espécie. A Promotoria aponta o ex-assessor como o operador do esquema da "rachadinha".