Marco do saneamento dividido entre investimentos e aspecto social
Legislação que sofreu com vetos deve receber mais de R$ 700 bilhões em investimentos, mas especialistas acreditam em uma revisão nos vetos presidenciais para que as metas sejam alcançadas
Publicado no mês passado no Diário Oficial da União (DOU), o novo Marco Regulatório do Saneamento Básico vem sendo alvo de debates sobre como irá desempenhar o seu papel no âmbito da prestação do serviço e se os seus objetivos serão alcançados até o ano de 2033, garantindo direitos básicos de abastecimento de água e saneamento básico para população. O novo marco sancionado, porém, ainda não regulamentado, tem potencial para destravar R$ 753 bilhões em investimentos, com cinco leilões acontecendo este ano no País, com projetos que somam R$ 46 bilhões.
Especialistas consideram que a medida abre um leque de oportunidades e investimentos para que grande parte da população tenha acesso ao abastecimento de água e saneamento básico. Por outro lado, existe a prerrogativa de que traga maiores desigualdades sociais entre municípios com menor poder aquisitivo, como é o ponto defendido pelo Governo de Pernambuco, além da manutenção do artigo 16 do Marco, que autoriza a renovação dos contratos de programas em vigor, e foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, obrigando a criação de novos contratos com outros prestadores do serviço.
O principal objetivo da nova legislação é de universalizar e qualificar a prestação dos serviços do setor. A meta do Governo Federal é alcançar a universalização até 2033, garantindo que 99% da população tenha acesso à água potável e 90% ao tratamento e a coleta de esgoto. Atualmente no Brasil 34 milhões de pessoas não tem abastecimento de água potável, enquanto 101 milhões de brasileiros não tem o serviço de esgotamento sanitário, com a região Nordeste tendo apenas 28% dessa cobertura de serviço.
Segundo um estudo realizado pela Deloitte, do aporte total, 66% seriam destinados para investimentos na rede, e o marco atrai investidores de países como China, França, Espanha e Canadá.
Para o sócio-líder da Deloitte para Governos e Serviços Públicos, Elias de Souza, é importante que os contratos sejam modificados o quanto antes para que as metas traçadas sejam alcançadas. “Na nossa visão destacamos que não se pode deixar para depois, o marco exige que todas as concessionárias troquem os indicadores para poder alcançar os níveis. Tem que modificar contratos, colocar metas e perseguir elas. É possível a universalização porque a agência reguladora pode tomar decisões com o contrato de concessão”, destacou.
O especialista da Deloitte aponta que o marco apresenta uma segurança maior para a atração de investidores. “A segunda coisa que enxergamos é a segurança jurídica regulatória, que não é verdade ter um ambiente inseguro. Quando olhamos cada contrato, de cada concessionaria, umas são mais maduras, outras menos, observamos distinção nas metas, eles não são padronizados e causa desconforto para quem investe. Isso da uma segurança jurídica porque mostra o que tem que ser atingido, a gente padroniza os contratos, questões de risco, garantia, fatores que facilitem a interação, uniformizando os pontos”, disse.
Elias reforça a importância do setor privado para o andamento do Marco e destaca que Pernambuco ainda precisa de mais investimentos no segmento. “Vimos que as regiões Norte e Nordeste são carentes, demandam mais investimentos. Pernambuco tem uma parceria público-privada muito boa, mas ainda precisa levar mais investimentos, não tem tantos números negativos no setor, mas ainda tem, precisa de uma boa estruturação da rede e isso sem a participação do privado fica difícil”, afirmou.
Na avaliação da secretária de Infraestrutura e Recursos Hídricos de Pernambuco, Fernandha Batista, apesar de ter a proposta de universalizar o abastecimento de água e o saneamento básico, existe um risco de que as cidades com menor poder de investimento, não sejam contempladas pelas empresas privadas.
“Tem pontos no Marco que precisam ser melhorados, como os vetos presidenciais, onde diz que cada município prepare uma legislação, sem manter o serviço que a estatal presta e não permitindo a continuidade do contrato, nem todos tem a capacidade técnica para seguir esse princípio. O aspecto social não é considerado, apesar de considerar o serviço por blocos, o que beneficiaria somente as cidades superavitárias”, disse.
No Estado, a Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), presta serviço para mais de 170 municípios, onde somente 27 são superavitários, ou seja, tem sobra de recursos. Fernandha aponta que da forma que está apresentado, o Marco apenas traz benefícios para o setor privado, e deixa de lado o aspecto social.
“Quando a lei diz que vai universalizar, isso não é muito real porque o privado não vai se interessar pelo deficiente financeiramente, e sim pelo que vai dar lucro. Acreditamos que o que impede a opção de investimento das estatais, isso deveria ser opção do município, nem todos tem a capacidade de fazer uma de um serviço tão importante. Em Pernambuco tem mais de 1,9 milhão de habitantes em comunidades rurais difusas, ele vai ter que investir e receber uma fatura básica, o privado não vai entrar pra resolver a universalização dessas famílias que não estão no aglomerado urbano”, contou.