Um ano depois, óleo ainda deixa marcas
Até hoje, aparecimento de substância no litoral brasileiro, de origem incerta e sem culpados, afeta trabalhadores
Neste final de semana completa um ano do aparecimento das primeiras manchas de óleo no litoral brasileiro, que acabou se tornando um dos maiores desastres ambientais do País. Até hoje trabalhadores e moradores das regiões afetadas sofrem com as consequências deste problema. No Nordeste, pelo menos 350 mil pescadores foram prejudicados, segundo pesquisadores do Comitê UFPE SOS Mar. Em Pernambuco, estima-se que esse número pode chegar a 30 mil. A primeira parte das investigações foi concluída pela Marinha do Brasil, mas não foram apontados culpados nem revelada a origem exata do derramamento do produto.
Manchas de tamanhos variados atingiram os ambientes costeiros, especialmente manguezais, estuários de rios e lagoas. De acordo com relatório parcial de pesquisa realizada pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), divulgado na sexta-feira, 260 hectares de corais e 692 hectares de mangues e vegetação nativa podem ter sido afetados pela contaminação em 11 municípios pernambucanos. Nomeado de “Impactos Socioeconômicos e Ambientais da Contaminação por Petróleo nas Praias do Litoral da Região Nordeste”, o trabalho confirmou a hipótese inicial de que o impacto do derramamento do petróleo não é homogêneo entre os municípios, logo as políticas de mitigação devem ser desenhadas por tipo de município.
O sociólogo Cristiano Ramalho, pesquisador da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Comitê UFPE SOS Mar, explica que, de outubro de 2019 ao início de janeiro deste ano, a economia da pesca no Estado entrou em colapso. Além do impacto ambiental propriamente dito, o fenômeno foi provocado pelo medo que as pessoas ficaram de consumirem pescados contaminados por produtos derivados do petróleo com alto teor cancerígeno. "Alguns pescados tiveram queda de, no mínimo, 90% nas vendas, como mariscos, ostra, caranguejo. Em alguns locais chegou a 100%", comentou.
No Litoral Sul do Estado, em praias como Tamandaré e São José da Coroa Grande, ainda é possível encontrar fragmentos do produto. Morador do Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, Gilberto Barreto, 55, vive da pesca há cerca de 30 anos. Ele conta que nunca passou por circustâncias parecidas da que viveu após a chegada do óleo nas praias. "Foi uma dificuldade muito grande. Fiquei me virando com o aluguel do meu barco e a ajuda de algumas pessoas", disse. Quando a situação começou a melhorar, veio a Covid-19 e as vendas despencaram mais uma vez. "A pandemia potencializou ainda mais o sofrimento já acumulado pelo derramamento de petróleo. Ou seja, é um ano de tragédia", avalia o sociólogo Cristiano Ramalho.
Em maio deste ano, as Medidas Provisórias 908 e 911, ambas de 2019, perderam a validade. Por meio delas o Governo Federal criou auxílio emergencial para pescadores artesanais das localidades atingidas pelo derramamento de petróleo. Contudo, apenas 4.236 dos mais de 12 mil pescadores pernambucanos foram beneficiados. A Folha de Pernambuco entrou em contato com o Ministério da Cidadania, mas, até o fechamento desta edição, não obteve resposta. De acordo com o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco, José Bertotti, o Governo do Estado investiu R$ 782 mil em bolsa para famílias de pescadores, por meio do programa Chapéu de Palha, em 2019.
Bertotti afirmou que a gestão tem feito a vigilância permanente do litoral. "Como não se sabe a origem do produto, é possível que algum óleo ainda esteja submerso próximo da plataforma continental e isso venha a nos afetar", comentou. Ainda segundo o secretário, é feito o monitoramento do pescado por meio do Serviço de Inspeção Estadual (SIE) para garantir a segurança no consumo. Por fim, o gestor destacou que foram destinados R$ 2,4 milhões para 12 grupos de pesquisa das universidades locais, escolhidos por meio de edital. "Esses estudos estão em andamento, com duração de médio e longo prazo, nas diferentes áreas", disse.
Segundo a Marinha, entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, foram recolhidas mais de 5 mil toneladas de óleo, entre os estados do Maranhão e Rio de Janeiro. Porém, a origem do produto continua um mistério. No ano passado, a Petrobras chegou a divulgar que o produto era proveniente de três campos da Venezuela. Em nota, a Marinha informou que entregou relatório com conclusões à Polícia Federal (PF). "Os trabalhos permanecerão até que o responsável seja identificado. A PF vai consolidar essas informações para o desdobramento da investigação", dizia a nota. Ainda segundo a Marinha, todas as ações envolvendo o combate aos efeitos desse crime ambiental são acompanhadas nas esferas legislativa e judiciária.