Alimentação

Estudo relaciona ingestão de alimentos ultraprocessados ao envelhecimento das células

Foram analisadas as dietas de 886 idosos

Bebidas ultraprocessadas. - Pixabay.

Alimentos ultraprocessados, como salgadinhos de pacote, pratos prontos congelados, refrigerantes e biscoitos industrializados, estão ligados ao envelhecimento das células, aponta um estudo feito pela Universidade de Navarra, na Espanha, com dados de 886 idosos.

Foram analisadas as dietas dessas pessoas, que tinham idade média de 67,7 anos, e o comprimento dos telômeros, que são as "pontas" dos cromossomos –as estruturas responsáveis por armazenar o DNA dentro do núcleo das células. Normalmente as células humanas têm 23 pares de cromossomos, cada um com dezenas, centenas ou até milhares de genes.

Os telômeros funcionam como uma espécie de capa protetora –não armazenam informação genética de fato, mas conservam a integridade do restante do DNA. Seu tamanho indica qual é a capacidade de a célula se replicar, já que, a cada vez que a ela se divide (no chamado ciclo celular), uma parte do telômero é perdida. Assim, a alteração dos telômeros tem potencial para afetar uma enormidade de processos biológicos.

"Quando a célula atinge um certo limite de replicações, ela entra em senescência e pode morrer. Nesse estágio, ela produz citocinas [classe de moléculas] inflamatórias, o que acelera o envelhecimento dos tecidos do corpo", explica Marcelo Mori, pesquisador e professor da Unicamp, que não participou do estudo.

Outros fatores, além do passar do tempo, podem interferir no comprimento de telômeros, como contato com toxinas e obesidade (capazes de encurtá-los) ou câncer, que os prolonga, tornando a célula tumoral capaz de se replicar indefinidamente.

No trabalho, os cientistas mediram o tamanhos dos telômeros a partir de DNA de uma amostra de saliva e constaram que, conforme o consumo reportado de ultraprocessados era maior, mais frequente eram os casos de telômeros curtos.
Foram descontados na análise estatística o possível efeito de fatores como idade e sexo, colesterol alto e tabagismo. Participantes que consomem três ou mais porções de ultraprocessados ao dia tinham risco, em média, 82% maior de ter telômeros considerados curtos em relação a quem tinha consumo baixo, de menos de duas porções diárias.

"Acreditamos que a associação observada entre o consumo de alimentos ultraprocessados e o risco de ter telômeros curtos pode ser explicada por maior ingestão de sal, gordura saturada e açúcar, bem como ingestão inadequadas de fibras e micronutrientes. Os participantes que consumiram uma quantidade maior desses alimentos em nossa coorte tiveram maior ingestão de [...] carnes processadas e menor ingestão de fibras, potássio, fósforo, magnésio, cálcio, frutas e vegetais; e uma menor adesão ao padrão alimentar mediterrâneo", escrevem os autores no estudo.

A pesquisa foi publicada no periódico American Journal of Clinical Nutrition e apresentada nesta segunda (31) no Congresso Europeu e Internacional de Obesidade. "O trabalho avaliou uma coorte de idosos, por isso não podemos dizer que o mesmo acontece em outras faixas etárias. Outros estudos também já mostraram que existe uma diferente taxa de perda de comprimento telomérico ao longo da vida, sendo que ela se acentua na velhice", diz a pesquisadora da Unifesp Vanessa Ota, que não se envolveu na pesquisa.

Outra limitação, lembra Ota, é que as análises foram feitas a partir de saliva, que possui muitos tipos celulares diferentes, o que pode deixá-las menos precisas. Várias pesquisas em todo o mundo têm tentado demonstrar o impacto na saúde de alimentos ultraprocessados, que frequentemente contêm saborizantes, corantes, emulsificante e aditivos cosméticos. Os processos industriais deixam esses alimentos prontos para consumo e com longa vida de prateleira, mas esse itens também estão relacionados a uma dieta pobre e não balanceada, sendo frequente que sejam consumidos em excesso.

Recentemente um trabalho brasileiro, do Elsa (Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto), mostrou que pessoas que ingerem esses alimentos tendem a ser mais obesos. Em 2019, um estudo intervencional (algo mais raro nessa área) mostrou a relação causal entre consumo de alimentos ultraprocessados e ganho de peso.

O trabalho da Universidade de Navarra, por ser um estudo de correlação, não permite concluir que existe uma relação de causalidade entre dieta e telômeros curtos, afirma Mori. "Há indícios do impacto de alimentos ultraprocessados na saúde e o encurtamento de telômeros é um marcador de importante, mas outros precisariam ser avaliados para saber se essas pessoas realmente têm um envelhecimento acelerado."