Coronavírus

Pioneiro no uso de cloroquina contra Covid-19 é denunciado na França por promover o remédio

Infectologista Didier Raoult é acusado de infringir recomendações das autoridades de saúde

A hidroxicloroquina é normalmente usada para tratar doenças como a artrite - Yuri Cortez/AFP

O médico infectologista francês Didier Raoult, um dos pioneiros no uso de cloroquina no tratamento de pacientes com Covid-19, foi denunciado pela Sociedade de Patologia Infecciosa de Língua Francesa (Spilf). A acusação é de que ele promoveu indevidamente o medicamento.

"Confirmamos que houve uma denúncia ao conselho departamental das Bocas do Ródano do Colégio de Médicos, mas a Spilf não quer se manifestar sobre o assunto enquanto durar o caso", disse uma porta-voz da Sociedade na quinta-feira (3).

Até agora, não há comprovação científica de que a cloroquina seja eficiente no combate ao coronavírus. Ainda assim, alguns países e líderes mundiais, entre eles o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), promovem abertamente o uso do medicamento.

Segundo o jornal Le Figaro, a entidade critica o médico por promover a hidroxicloroquina "sem que a ciência tenha estabelecido claramente nenhum dado preciso a respeito, o que supõe uma infração das recomendações das autoridades de saúde".

"Nos perguntamos se sua postura tão contundente [...] não contribuiu para prejudicar a mensagem de prevenção na saúde pública" durante a epidemia de Covid-19, diz a denúncia feita em julho e citada pelo jornal.

Ainda de acordo com a publicação, Raoult pode ter violado nove artigos do código de conduta médica. Entre elas, além da promoção de um tratamento que não tenha demonstrado eficácia, estão denúncias de que o médico tenha divulgado informações falsas e realizado ensaios clínicos sem estar amparado pela legalidade.

Diretor do Instituto Hospital Universitário Méditerranée Infection (IHU), na cidade de Marselha, o professor Raoult é microbiologista, especialista em doenças infecciosas e um dos médicos mais renomados da área.

Filho de um militar e uma enfermeira, ele nasceu em 1952 em Dacar, capital do Senegal, e se mudou com a família para Marselha em 1961. Aos 68 anos, acumula diversos estudos e pesquisas, publicações e prêmios.

A possibilidade de cura com o medicamento foi alardeada num tuíte do presidente norte-americano Donald Trump em 21 de março. Na postagem, ele citava o estudo do médico francês que indicava que a combinação de hidroxicloroquina e azitromicina teria curado alguns pacientes de Covid-19.

Raoult foi duramente criticado devido ao estudo, apontado como falho do ponto de vista científico e pouco transparente, uma vez que os dados brutos não foram compartilhados.

Ainda em março, o método gerou controvérsias na França, fazendo com que o governo local impusesse restrições ao remédio, liberando seu uso somente para pacientes em estado grave de Covid-19 e estritamente sob acompanhamento médico.

Em 3 de abril, a sociedade científica responsável pelo periódico que publicou o estudo liderado por Raoult, a International Society of Antimicrobial Chemotherapy, disse que a pesquisa "não atendia aos padrões esperados, especialmente pela falta de explicações dos critérios de inclusão e triagem dos pacientes".

No Brasil, tendo o presidente Jair Bolsonaro como um grande defensor, o medicamento ganhou popularidade e passou a ser defendido também por algumas entidades e por parte da população.

Em agosto, o presidente comemorou o estabelecimento de um novo protocolo pela Comissão Nacional de Saúde da China para que a cloroquina, em sua forma de fosfato, possa ser usada como droga experimental no tratamento da Covid-19.

No fim do último mês, no evento "Brasil vencendo a Covid-19", o Bolsonaro novamente fez apologia do tratamento com a hidroxicloroquina.