Brasil cancela status diplomático de representantes de Maduro, mas evita expulsá-los
Medida é vista como gesto de apoio a Juan Guaidó, que vem sendo questionado como líder opositor
Em mais um gesto de endurecimento contra o regime do ditador Nicolás Maduro, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) declarou os diplomatas venezuelanos em Brasília "persona non grata" em território nacional.
Isso significa que eles não são mais bem-vindos no Brasil, o que reforça o fato de não serem reconhecidos como representantes legítimos da Venezuela.
Ao contrário da medida tomada em abril contra 34 representantes de Maduro em Brasília e outras cidades, desta vez não há a intenção do Brasil de expulsá-los.
No início de maio, a medida foi revertida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, com base em argumento humanitário.
A Venezuela vive uma grave crise no setor de saúde, em meio ao crescimento dos casos de coronavírus. A expulsão foi suspensa até o final deste ano, que é quando vence o estado de emergência sanitária no Brasil.
A medida, diz o Itamaraty, vale para representantes diplomáticos, consulares e administrativos do ditador.
"A declaração de `persona non grata', instrumento jurídico amplamente reconhecido e utilizado nas relações internacionais, é prerrogativa que os Estados possuem para indicar que um representante oficial estrangeiro não é mais bem-vindo como tal em seu território", disse nota do Itamaraty.
Os atingidos pela medida, afirma o governo brasileiro, poderão permanecer no país "sem status diplomático ou consular nem imunidades e privilégios correspondentes".
A ideia, segundo a reportagem apurou, é forçar a saída espontânea dos representantes de Maduro, uma vez que, sem imunidade diplomática, estarão sujeitos a medidas policiais ou judiciais.
O Brasil reconhece desde janeiro de 2019 o deputado venezuelano Juan Guaidó como autodeclarado presidente da Venezuela, assim como fazem mais cerca de 50 países, entre eles os Estados Unidos.
Guaidó tem sua própria delegação diplomática no Brasil, chefiada pela advogada e professora universitária Maria Teresa Belandria.
Segundo um aliado de Belandria, a medida do Itamaraty já era esperada desde a decisão de Barroso. O fato de ter sido decidida agora não foi fortuito. Representaria importante gesto de apoio político de Bolsonaro a Guaidó num momento em que sua autoridade como principal representante da oposição venezuelana vem sendo questionada por antigos aliados.
O principal deles é o ex-candidato presidencial Henrique Capriles, que abriu negociações com Maduro para participar da eleição para a Assembleia Nacional, prevista para dezembro. A maioria dos partidos de oposição, com Guaidó à frente, decidiu boicotar essa votação alegando falta de condições justas para a disputa.
A grande dúvida agora é a decisão a ser tomada pelos representantes de Maduro, que ocupam a embaixada em Brasília. A disputa pelo controle do prédio já gerou situações de tensão entre os campos adversários.
Em novembro do ano passado, durante reunião dos países membros dos Brics (grupo de países emergentes) em Brasília, aliados de Guaidó entraram na embaixada, alegando que haviam sido "convidados" por alguns funcionários.
Houve ameaça de tumulto com manifestantes de esquerda, que foram ao local prestar solidariedade aos partidários do ditador.
A situação só foi resolvida após 12 horas, com intervenção da polícia, que retirou o grupo da embaixada sob escolta.
Um dos representantes de Guaidó afirma que a entrada na embaixada pode se repetir, caso os diplomatas não se retirem do local em alguns dias. Ele não deu prazo para essa desocupação, mas disse que o prédio era agora "a sua embaixada".
Segundo ele, o direito de Belandria de ocupar o local como embaixadora está amparado pela Convenção de Viena, que rege as relações diplomáticas internacionais.
A reportagem não conseguiu contato com representantes de Maduro. O diplomata Alberto Castellar segue como embaixador de Venezuela no Brasil, mas retornou a seu país de origem e mantém a função à distância.
O deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), autor do pedido que levou à decisão de Barroso em maio, afirmou que a decisão do Itamaraty ocorre num momento em que a Venezuela propôs ao Brasil dialogar em razão da pandemia.
"Não temos litígio com a Venezuela. É mais um gesto do governo do Brasil aos EUA, é a única razão", afirmou.
Ele disse acreditar que não há necessidade de mais uma vez pedir ao Supremo que intervenha. "A decisão do ministro Barroso já proíbe a expulsão dos diplomatas. E o governo brasileiro na prática já não reconhecia os representantes da Venezuela aqui", declarou.