Protestos contra violência policial deixam 8 mortos e mais de 360 feridos na Colômbia
Segundo relatos de testemunhas à imprensa local, Ordóñez, pai de dois filhos que trabalhava como taxista, teria resistido a uma ordem de prisão
Oito pessoas com idades entre 17 e 29 anos foram mortas a tiros e mais de 360 ficaram feridas entre a tarde de quarta (9) e a madrugada desta quinta (10) durante protestos contra a violência policial em Bogotá e Soacha, na região metropolitana da capital colombiana.
As manifestações são uma reação a um vídeo que mostra o advogado Javier Ordóñez, 46, sendo imobilizado por policiais e atingido diversas vezes por uma arma de choque do tipo "taser".
Segundo relatos de testemunhas à imprensa local, Ordóñez, pai de dois filhos que trabalhava como taxista, teria resistido a uma ordem de prisão. A polícia afirma que o advogado estava bebendo na rua com amigos, o que violaria as regras de distanciamento social impostas para combater o coronavírus.
No vídeo, que viralizou, é possível ouvi-lo, já imobilizado, dizendo "por favor, parem" e "agente, eu lhe suplico". Logo, começam gritos de "assassinos", e pedras são atiradas contra os policiais.
Inconsciente, Ordóñez foi arrastado do local e levado a uma delegacia antes de ser encaminhado a um hospital no distrito de Villaluz, onde morreu. Segundo a família, os abusos continuaram no posto policial.
"Ele foi assassinado pelos policiais", disse a cunhada de Ordóñez, Eliana Marcela Garzón, à agência de notícias Reuters. Ela pediu justiça e que os protestos sejam pacíficos. "Não queremos [mortes] em um país já cheio de conflitos. Queremos justiça', disse ela.
Apesar de Bogotá ter iniciado uma flexibilização da quarentena, a área metropolitana, onde Ordóñez foi atacado, ainda está sob medidas de restrição de mobilidade. Alguns distritos, como Kennedy, chegaram a ser cercados devido a focos de contágio, sem que as pessoas pudessem entrar e sair da região.
Outros abusos policiais foram denunciados durante a quarentena, entre os quais prisões de moradores de Bogotá que saíram para passear com cachorros, além de disparos com jatos de água em cidadãos que estavam na calçada sem, em teoria, desrespeitar o distanciamento social.
O episódio de Ordóñez aconteceu em Engativá, justamente na área metropolitana da capital. Logo depois, distúrbios e ataques contra oficiais ocorreram em outros locais da região, como Bosa e Suba e no município de Soacha. Confrontos também foram registrados em outras capitais, como Cali e Medellín.
Carros e caminhões de lixo foram incendiados, e 56 delegacias, atacadas. De acordo com a prefeita de Bogotá, Claudia López, 114 policiais e 248 civis ficaram feridos -58 por armas de fogo. Setenta pessoas foram presas, a maior parte em Bogotá.
A prefeita denunciou, nesta quinta, o uso de armas de fogo pela polícia durante os protestos e solicitou ao presidente Iván Duque que peça à polícia para cessar o uso dos armamentos nos atos. "Há evidências sólidas de uso indiscriminado de armas de fogo por membros da polícia", disse López a jornalistas.
Ela disse também que a violência policial não se limita a "maçãs podres", sugerindo que o episódio não é um fato isolado, e sim uma problema estrutural. Pediu, porém, que a população mantivesse a serenidade e deixasse de agir de modo violento. "Destruir Bogotá não consertará a polícia", escreveu em uma postagem no Twitter. "Vamos nos concentrar em buscar justiça e reformas estruturais."
Segundo López, neste ano já foram apresentadas 137 denúncias de uso excessivo da força pela polícia da capital -de acordo com a ONG Temblores, o número seria um pouco maior, com 162 casos, além de 11 homicídios. Apesar das críticas, a prefeita pediu que as forças de segurança retomem o controle das ruas.
"Condenamos o abuso da polícia, mas também condenamos a violência e o vandalismo por parte dos manifestantes. O abuso e a violência não se solucionam com mais violência", disse ela. "Nestes momentos devemos nos aferrar à Constituição e à mobilização pacífica."
Duque, por sua vez, afirmou que não pode haver tolerância com abusos de autoridade, mas pediu que os colombianos não estigmatizem a polícia. "Como governo, insistimos em tolerância zero contra aqueles que desonram o uniforme da Força Pública. São feitos que devem ser individualizados", disse no Twitter.
Os dois agentes flagrados no vídeo foram afastados, e uma investigação iniciada pela polícia foi transferida para a Procuradoria. Após a noite de protestos, o policiamento em Bogotá será reforçado com mais 1.600 agentes -mais da metade vindos de outras regiões- e 300 soldados, segundo o ministro da Defesa, Carlos Holmes Trujillo, para quem "promover a violência contra servidores públicos é um delito".
"Há um movimento detectado por meio das redes sociais com esse propósito. Esse movimento tem origem internacional e está dirigido contra todas as polícias de diferentes países do mundo."
No começo da semana, sindicatos tentaram retomar os protestos massivos que aconteceram no ano passado contra políticas econômicas e sociais do governo Duque, mas a mobilização foi morna em meio à pandemia do novo coronavírus.
A morte de Ordoñez, entretanto, pode renovar a revolta contra a polícia, duramente criticada nos atos em 2019 devido à morte de Dilan Cruz, manifestante de 18 anos atingido por um projétil disparado pelo batalhão de choque.
Grupos de manifestantes já denunciam nas redes sociais novos excessos da polícia durante as manifestações na quarta. Nesta quinta, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos, condenou "os casos de brutalidade e de abuso policial" no país.
O organismo apontou ainda que "os fatos devem ser esclarecidos, investigados e punidos" e ressaltou que "o Estado tem o dever de garantir o direito à vida, à integridade e à liberdade de manifestação".