Vacinas

Religião, política e fake news diminuem crença em vacinas

Extremismo religioso, movimentos antivacina, instabilidade política e fake news estão impactando a confiança nas vacinas em diversas regiões do mundo

Vacinas contra a Covid-19 estão em fase de testes - Eva Hambach / AFP

Extremismo religioso, movimentos antivacina, instabilidade política e fake news estão impactando a confiança nas vacinas em diversas regiões do mundo, mostra uma pesquisa publicada nesta quinta (10), na revista científica The Lancet.

O estudo usa dados de questionários respondidos por 284.381 pessoas de 149 países. Para algumas nações, as informações revelam a evolução da confiança nas imunizações entre 2015 e 2019.

As Filipinas, por exemplo, faziam parte dos dez países com mais confiança nas imunizações em 2015, posição que derreteu recentemente. Os autores do estudo relacionam a perda de confiança ao medo gerado pela vacina da dengue feita pela Sanofi. Após o lançamento do produto, a farmacêutica afirmou que ele poderia trazer risco a pessoas não expostas anteriormente ao vírus. O temor pode ter afetado o resto do calendário vacinal no país.

Também na Indonésia houve uma queda acentuada. Segundo a pesquisa, isso foi provocado, em parte, por líderes muçulmanos que questionaram a segurança das vacinas de sarampo, caxumba e rubéola e instituíram uma fátua (decreto religioso) declarando proibição da vacinação.

Mas, de modo geral, a análise dos pesquisadores não encontrou representativa associação entre religião (e também renda) e aceitação de vacinas.
Afeganistão, Paquistão e Coreia do Sul são alguns dos outros países que apresentaram queda geral na confiança em vacinas, considerando pontos como segurança, importância e eficácia.

Ao mesmo tempo, os pesquisadores viram, no período, crescimento da confiança em imunizações no México, na Polônia, na Romênia, na Tailândia, na Índia e na França.

Há sinais de que a confiança nas vacinas esteja crescendo na Europa –como na França, país que, apesar do crescimento, mantém níveis baixos de crédito quanto às imunizações, dizem os autores. Um fato interessante no continente europeu, onde há uma presença mais forte de movimentos antivacina e onde a confiança vacinal é baixa em comparação a outros continentes, foi encontrado pelos pesquisadores. 

Na maior parte dos países europeus, houve um aumento maior na taxa de pessoas que considera a vacina importante do que na dos que a consideram segura e efetiva.


Enquanto isso, o Japão é uma das nações que mantêm níveis baixos de confiança nas imunizações e faz parte dos dez países que, segundo aponta o modelo criado pelos pesquisadores, não tiveram, entre 2015 e 2019, um aumento da porcentagem de pessoas que discordam plenamente da segurança, importância e eficácia das vacinas. Os outros nessa lista são Afeganistão, Azerbaijão, Bósnia, Geórgia, Indonésia, Malásia, Nigéria, Paquistão e Sérvia.

Os pesquisadores relacionam a situação do Japão a preocupações quanto à segurança da vacina contra o HPV (papilomavírus humano) e a decisão da autoridade de saúde japonesa de suspender a recomendação de aplicação dessa imunização no país, em 2013.

O modo como a situação foi tratada e um surto recente de rubéola no país são um retrato de alguns problemas locais relacionados ao assunto que precisam ser resolvidos, dizem os autores.

Em 2019, a OMS (Organização Mundial da Saúde) classificou os movimentos antivacina como uma ameaça à saúde global. E, segundo os autores, os esforços online contra a vacinação já podem ser sentidos em países como Coreia do Sul e Malásia. Os pesquisadores concluem que o espalhamento viral de desinformação está contribuindo para a situação de incertezas que rondam as vacinas e que alguns atores estão conscientemente polarizando o debate do tema.

Para os autores, mais estudos são necessários a fim de avaliar a ligação entre politização, extremismo religioso e populismo na crença das pessoas quanto a vacinas.

No Brasil, em 2015, 76% dos entrevistados concordavam plenamente que as vacinas eram eficazes; em 2019, contudo, eles passaram a ser 56%.
Ainda assim, os pesquisadores não detectaram queda tão acentuada nos números quanto à importância e a segurança das vacinas, o que fez com que o país –em que a imunização foi recentemente politizada em falas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido)– não entrasse entre os destaques da análise.