Fazendeiros têm prejuízo, mas defendem gado como 'bombeiro' do Pantanal
Pecuaristas afirmam que rebanhos poderiam fazer a limpeza a região, evitando incêndios
Os incêndios florestais que atingem o estado de Mato Grosso têm gerado sérios prejuízos ao setor produtivo, como na pecuária e no agronegócio. Apesar da abertura de pastos ser um dos principais objetivos das queimadas, fazendeiros defendem o gado como forma de preservar o Pantanal.
Cristóvão Afonso da Silva, que possui uma propriedade em Poconé, teve 75% de sua fazenda de 15 mil hectares atingida pelo fogo. "Nós conseguimos fazer o remanejo dos gados. Porém, o pior vem agora porque não tem o que eles comerem, apenas cinzas", diz o pecuarista.
Para Silva, o modelo de preservação do Pantanal precisa ser mudado urgentemente. Ele critica a atual legislação e reclama da atuação de ONGs, a quem culpa pela "má preservação" da região.
"Antigamente o pantaneiro, o produtor, podia usar o gado para a limpeza. Hoje fica essa matéria orgânica livre, sem limpeza. Temos que mudar as leis. Durante 300 anos o Pantanal era bem conservado. Hoje, é isso que vivenciamos sempre", afirma.
Setembro de 2020 deve bater o recorde histórico de queimadas no Pantanal, de acordo com o Programa Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). O bioma já registrou 5.603 focos de incêndio, número quase três vezes acima da média para o mês.
A alta ocorre no período de estiagem, agravada por uma temporada precedente de poucas chuvas. Aos fatores ambientais, somam-se suspeitas de ação humana, investigadas pela Polícia Federal.
Em entrevista à CNN Brasil, o delegado Daniel Rocha afirmou que investiga quatro proprietários. Segundo ele, focos de incêndio de junho e julho em análise por sua equipe "não têm como não terem sido ocasionados por ação humana".
O fogo se alastra apesar da proibição de queimadas no bioma e na Amazônia, segundo decreto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) publicado no Diário Oficial da União em 16 de julho.
Produtores dos municípios de Poconé, Cáceres, Barão de Melgaço, Santo Antonio do Leverger e Nossa Senhora do Livramento relatam que tiveram parte de suas terras atingidas pelos incêndios.
O fazendeiro Leopoldo Mário, que teve 50% de sua fazenda de 10 mil hectares destruída, relata a perda de cabeças de gado em decorrência das queimadas. "Perdi alguns porque não deu tempo de transportar tudo. Perdemos bezerros também. É muito triste tudo isso."
Ele reclama da opinião pública que, em sua avalição, vê os produtores como autores dos incêndios. "Quando se fala que tem voluntários no Pantanal combatendo o fogo, é preciso deixar claro que 90% são os próprios fazendeiros que estão na linha de frente dessa luta", defende.
Mário é um dos líderes dos pecuaristas, que se mobilizaram para apresentar reivindicações para políticos e autoridades. Ele afirma que a pauta em construção pelo setor poderá garantir a preservação do Pantanal para as próximas gerações.
"É preciso garantir o repovoamento do gado no Pantanal. Não podemos esquecer que foi aqui o berço da pecuária no estado", diz. Segundo ele, o gado seria o "bombeiro do pantanal" porque os rebanhos poderiam fazer a limpeza da região. "Foi um equívoco que fizeram ao tirar o boi e o pantaneiro daqui", diz.
Outra reivindicação é a criação de uma legislação específica para o Pantanal –em sua visão, o código florestal é prejudicial para a região.
Mário defende ainda a volta da queimada controlada para diminuir a incidência de incêndios e a substituição de parte da pastagem nativa por pastagem de braquiária (capim com base na produtividade).
Outras demandas são créditos financeiros para pecuaristas e a criação de pistas de pouso maiores em regiões estratégicas do Pantanal.
Outro que teve prejuízo em três propriedades é Ricardo Arruda. Em uma de suas fazendas, de 9.000 hectares, 80% da área foi destruída pelo fogo.
Ele conseguiu retirar os animais da área, mas teve as cercas, bebedouros, currais e pasto destruídos, além dos gastos com aluguéis de máquinas e caminhões para deslocar o gado.
O fazendeiro ainda teve problemas com as chamas em propriedades em Chapada dos Guimarães e Alta Floresta (803 KM ao norte de Cuiabá).
Ele diz acreditar que os incêndios podem ter sido causados por ação humana, mas defende que os autores não foram os pecuaristas.
"Já sabemos que o fogo no pantanal começou através de um acidente de carro e de um problema elétrico. Pode ter sido involuntário. O que não podemos aceitar mais é a acusação que todo fogo e incêndio seja de responsabilidade dos pecuaristas", diz.
Na opinião do fazendeiro, os incêndios no Pantanal só tomaram as proporções atuais pela ausência do homem na região. "E não falo apenas do pecuarista, estou falando do pantaneiro, porque eles que realizavam a limpeza do pantanal."
Os produtores de milho e algodão também estão sendo atingidos pelas queimadas no Estado. No município de Campo Verde (131 km ao sul de Cuiabá), duas fazendas vizinhas foram atingidas pelas chamas.
De acordo com o produtor Fernando Ferrari, sua fazenda de 120 hectares foi um dos alvos após a propriedade vizinha ter sido atingida pelo fogo. "O prejuízo será imenso. Isso porque devemos ter quebra de produtividade por três anos. Toda vida microbiana, potássio, se perdeu".
Na fazenda vizinha, parte da plantação foi destruída.
No mês passado, a Terra Santa Agro S.A, localizada em um distrito de Tangará da Serra (a 239 km de Cuiabá) teve uma de suas unidades atingidas pelo fogo. O pátio de armazenagem de algodão em caroço e algodão em pluma foi parcialmente destruído.
Segundo a assessoria do grupo, a perda estimada é de aproximadamente R$ 18 milhões, equivalente a cerca de 3,5% da produção (6.056 toneladas de algodão em caroço e 130 fardos beneficiados).