Nomeação de Trump à Suprema Corte testa apoio de republicanos para redesenhar campanha
Presidente diz que indicação deve ocorrer entre sexta e sábado a partir de lista com duas favoritas
O apetite eleitoral de Donald Trump se instalou na Suprema Corte dos EUA e vai testar o apoio dos republicanos ao esforço para redesenhar a campanha e inflamar a corrida à Casa Branca.
O presidente americano anunciou que vai indicar uma substituta à juíza progressista Ruth Bader Ginsburg entre sexta-feira (25) e sábado (26), às vésperas do primeiro debate entre os candidatos à Presidência.
O movimento serve como um aceno à base conservadora do republicano, bastante sensível à composição do tribunal, ajuda a desviar parte da atenção pública sobre a pandemia e -o mais importante para Trump- pode impactar em uma possível judicialização das eleições de novembro.
O presidente dos EUA, Donald Trump, durante comício em Bemidji, no estado de Minnesota Brendan Smialowski - 18.set.20/AFP O presidente Em desvantagem nas pesquisas, o presidente já sinalizou que deve questionar o resultado do pleito caso seja derrotado pelo democrata Joe Biden, o que poderia levar a decisão final à Suprema Corte.
A morte de RBG, como a juíza era conhecida, na sexta-feira (18), a 46 dias da eleição, deflagrou uma guerra política -das 16 vagas abertas na Suprema Corte em períodos de eleições presidenciais, somente uma, em 1864, se deu tão perto do dia do pleito como agora.
Trump tem a chance de estabelecer uma ampla maioria conservadora (6 a 3) no tribunal e precisa da aprovação do Senado -comandado por republicanos- para chancelar sua indicação às pressas.
O presidente joga com a ideia de que a maioria conservadora poderá reverter precedentes históricos na corte, sobre temas como aborto e posse de armas, reformulando a bússola político-ideológica do país.
"Eu acho que [a indicação] será sexta ou sábado", disse Trump, nesta segunda-feira (21), em entrevista à Fox News. "Parece que vai ter eventos na quinta e na sexta, e acho que devemos esperar até que terminem", completou, em referência às cerimônias fúnebres em Washington em homenagem a RBG.
O presidente pressiona para que a votação no Senado seja feita o mais rapidamente possível, mas precisa da disposição de senadores mais moderados de seu partido, que já demonstraram contrariedade em correr com a indicação antes de 3 de novembro, dia da votação -a média do processo é de 70 dias.
No topo da lista de Trump para substituir RBG estão as juízas Amy Coney Barrett, do tribunal de apelação de Chicago, e Barbara Lagoa, que atua no mesmo tipo de corte em Atlanta. As duas são religiosas e alinham-se ao presidente em temas como direito a armas, posição anti-aborto e política anti-imigração.
Aos 52 anos, Lagoa é considerada de aprovação mais fácil, visto que o Senado confirmou seu nome para o tribunal de apelação por 80 votos a 15 no ano passado, com apoio, inclusive, de senadores democratas.
Formada pela Universidade Columbia, uma das mais prestigiosas dos EUA, ela nasceu na Flórida, estado considerado decisivo para a reeleição de Trump, e é filha de exilados cubanos críticos ao regime castrista, um dos principais nichos eleitorais do presidente no estado.
Auxiliares do republicano têm defendido a nomeação de Lagoa como uma forma de impulsionar a candidatura do presidente na Flórida -onde ele aparece cerca de dois pontos percentuais atrás de Biden- apesar de ainda ser pouco claro o impacto da escolha da juíza no resultado da eleição.
A favorita para o lugar de RBG, porém, é Barrett. Aos 48 anos, ela é formada pela Universidade Notre Dame e recentemente proferiu uma decisão que tornou mais fácil para estudantes acusados de agressão sexual processarem universidades por tratamentos considerados por eles discriminatórios.
"É plausível que [funcionários da universidade] tenham escolhido acreditar em Jane porque ela é uma mulher e desacreditar John porque ele é um homem", escreveu Barrett num caso em que a acusadora foi identificada como Jane Doe, e o acusado, John Doe, abrindo precedente importante.
A magistrada também ganhou proeminência nacional por ter trabalhado como assistente de Antonin Scalia, juiz conservador da Suprema Corte que morreu em fevereiro de 2016, a 269 dias da eleição que escolheria o sucessor de Barack Obama.
Naquela época, a substituição de Scalia abriu uma guerra política como a de agora, mas os republicanos conseguiram segurar a indicação de Obama por dez meses, sob o argumento de que a prerrogativa era do presidente que seria eleito em novembro.
O líder da maioria republicana no Senado, Mitch McConnell, afirmou em 2016 que a substituição de Scalia deveria ocorrer depois da eleição. Desta vez, porém, ele defende a indicação de Trump antes do pleito.
O presidente, por sua vez, precisa atuar para manter o partido unido. Neste fim de semana, duas senadoras republicanas -Lisa Murkowski, do Alasca, e Susan Collins, do Maine- manifestaram-se contra uma indicação antes de novembro.
Depois delas, o holofote passou para outros três parlamentares: Mitt Romney, de Utah, que votou a favor do impeachment do presidente; Chuck Grassley, de Iowa; e Cory Gardner, de Colorado, que enfrentam disputas difíceis para a reeleição em seus estados, com eleitores se afastando de Trump.
O Partido Republicano tem 53 das 100 cadeiras do Senado -45 são democratas, e 2, independentes, mas que votam com a oposição. Dessa forma, são necessários ao menos quatro dissidentes republicanos para barrar a indicação de Trump.
Os mais céticos avaliam que mesmo senadores que demonstraram contrariedade com a indicação antes da eleição não deixariam de apoiar o escolhido pelo presidente caso, de fato, haja votação no Congresso.
Os democratas sabem que não conseguem bloquear sozinhos a escolha de Trump e têm investido em duas frentes para tentar retardar o processo. Biden aposta no diálogo com os republicanos mais moderados e pediu que eles tenham consciência em um momento histórico.
Já outra parte da oposição defende a tese de que, se Trump conseguir emplacar mais uma indicação à Suprema Corte, os democratas podem tentar ampliar o número de juízes no tribunal caso Biden seja eleito à Casa Branca e o partido também conquiste a maioria no Senado.
A Constituição americana não estabelece o total de cadeiras da Suprema Corte e, dessa forma, um ato do Congresso assinado pelo presidente seria suficiente para mudar a atual configuração.
Especialistas dizem que a própria RBG era cautelosa quando o debate sobre o aumento do número de juízes vinha à tona e costumava dizer que nove magistrados eram suficientes.
Trump já indicou dois conservadores ao tribunal, Neil Gorsuch e Brett Kavanaugh, e deu todos os sinais de que a terceira nomeação passou a ser sua nova cruzada eleitoral.
Além de Barrett e Lagoa, ainda estão na lista de cotadas por Trump, segundo a imprensa americana, Kate Todd, conselheira da Casa Branca, e a juíza Allison Jones Rushing, de Richmond.