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Julgado por investigados, Witzel foi ao ataque para se defender e perdeu de 69 a 0

Em diferentes passagens de seu discurso à distância, Witzel buscou dividir com os deputados a responsabilidade por suas decisões administrativas

Wilson Witzel - Fernando Frazão / Agência Brasil

Julgado por deputados estaduais em boa parte sob investigação, o governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), dinamitou as pontes que poderia ter com a Assembleia Legislativa ao usar como estratégia o ataque. Perdeu por 69 a 0.

Em diferentes passagens de seu discurso à distância, Witzel buscou dividir com os deputados a responsabilidade por suas decisões administrativas.

Aumentou o tom de voz contra os membros da Assembleia, acusando-os de omissão nas investigações sobre as organizações sociais que atuam na saúde, pivô das denúncias contra ele.

"Se eu fui omisso, todos os senhores foram omissos. Quantos de vocês investigaram as OSs? Os senhores também são omissos. Todos devemos fazer nossa mea culpa", disse.

Witzel também buscou explorar o fato de muitos membros da Assembleia estarem sob investigação. Ao menos cinco são alvo do mesmo inquérito que o afastou do cargo no STJ (Superior Tribunal de Justiça), além de apurações sobre as "rachadinhas" no Ministério Público do Rio de Janeiro.

"Vários temos investigações contra nós. Investigações sérias. Todos devemos ser afastados? Sou o único a sofrer isso", disse Witzel, em discurso que proferiu do Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador, único espaço público que o STJ permitiu que usasse.

As falas de Witzel relembraram o candidato que surfou na onda anticorrupção bolsonarista num estado que teve presos todos os governadores eleitos vivos e cuja Assembleia perdeu dez deputados em pleno mandato para a cadeia.

O governador afastado chegou a lembrar o fato de o presidente da Assembleia, André Ceciliano (PT), ser alvo da mesma investigação que o afastou. Ele atuou, segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), para desviar recursos da saúde repassados a municípios.

As declarações atingiram também um deputado de seu próprio partido, Márcio Pacheco, ex-líder do governo na Assembleia. Ele foi o primeiro a ser denunciado pelo MP-RJ pela prática de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

Era um discurso de quem já não via chances de se salvar. Diagnóstico que se comprovou correto com o placar unânime para o prosseguimento do processo de impeachment.

Em contradição com o discurso duro, Witzel lamentou o isolamento que considera ter sofrido ao longo do mandato, principalmente no período da pandemia.

"Quantos dos senhores vieram aqui me dar sugestões sobre hospitais de campanha, apontar falta de médicos? Nenhum. As portas do palácio sempre estiveram abertas."

A explicação talvez esteja nas insinuações que proferiu ao longo do discurso. Ninguém no Palácio Tiradentes -sede da Assembleia- de fato confiou nele nesse um ano e meio de mandato.

A fala demonstrou a incapacidade de Witzel, estreante na política fluminense, de estabelecer uma relação amistosa com o Legislativo.

O conflito atingiu seu ápice quando o seu braço direito e ex-secretário Lucas Tristão, preso em maio na Operação Tris In Idem, sugeriu em fevereiro ter grampos contra deputados a fim de ameaçá-los a votar de forma favorável ao governo.

Neófito na política e sucessor de governadores eleitos que acabaram presos, Witzel transpareceu numa fala a impressão de muitos investigadores sobre o estado de coisas no Rio de Janeiro: uma corrupção endêmica em que até um chefe do Executivo é apenas peça de uma engrenagem maior.

"Máfias no Rio de Janeiro são muitas. Não seria possível acabar com elas num único mandato. Qualquer um de nós que usa a política está sujeito a fazer indicação de alguém que não tem boas intenções", afirmou Witzel, referindo-se a Edmar Santos, ex-secretário de Saúde que se tornou delator.

O governador afastado não conseguiu manifestações positivas de nenhum daqueles deputados que indicaram nomes para cargos em seu governo.

No Palácio Guanabara, sede do governo, agora está um aliado mais próximo dos deputados, Cláudio Castro (PSC), que já sinalizou querer fazer uma gestão "quase parlamentarista".