Coronavírus

UFPE trabalha em vacina contra Covid com fungos similares aos usados para fazer pão e cerveja

Levedura Pichia pastoris é usada no processo de produção da vacina - Wikimedia Commons

Pesquisadores do Laboratório de Estudos Moleculares e Terapia Experimental (Lemte), vinculado ao Departamento de Genética da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), trabalham no desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus que usa leveduras similares às usadas na fabricação de pães e cervejas.

Com financiamento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), a possível vacina pernambucana deve entrar na fase de testes pré-clínicos - aqueles feitos em animais - entre o fim do primeiro semestre e o início do segundo de 2021, com resultados por volta de setembro.

A técnica do Lemte é a mesma usada anteriormente para produzir uma vacina terapêutica para o câncer de colo de útero na UFPE. A plataforma biotecnológica do laboratório, criada com apoio do Programa de Pesquisa para o SUS, é utilizada para os trabalhos da estratégia vacinal contra a Covid. Segundo o líder do projeto, o professor doutor Antonio Carlos de Freitas, o imunizante não usa o próprio vírus vivo para produzir a vacina, o que é uma vantagem em relação à segurança.
 


“Nossa ideia é colocar a vacina dentro da levedura e esta levedura ser entregue no que vai ser injetado no indivíduo. A vantagem é que por ser uma levedura, tem a capacidade ir para células específicas da resposta imunológica, o que pode aumentar a eficiência da vacina”, explica o professor.

As informações genéticas contidas no genoma do Sars-CoV-2 serão utilizadas na produção. “Estamos trabalhando com duas estratégias vacinais específicas de DNA e RNA. Vamos isolar a informação que corresponde às proteínas que vão levar a produção de anticorpos e proteção do indivíduo”, acrescenta Antonio Freitas.

As estratégias de DNA e RNA já estão sendo pesquisadas ao redor do mundo, mas a maneira como a vacina vai ser disponibilizada, diz o professor, é diferente. “Pretendemos pegar a vacina de DNA ou RNA dentro de uma levedura, parente próxima à que usamos na panificação [fabricação de pães e cervejas], a Pichia pastoris”, completa.
 

UFPE é única instituição do Nordeste a receber o aporte financeiro da Capes para produzir vacina (Foto: Divulgação)

Produção
Os trabalhos da pesquisa exploratória - fase da produção do imunizante que inclui avaliação na literatura médica - começaram em junho. Nesta etapa, os pesquisadores identificaram prováveis alvos para a produção da vacina, como quais seriam as porções do vírus interessantes para estimularem o organismo a induzir a proteção.

“Identificamos alguns alvos e recentemente tivemos o aporte de um financiamento via Capes. Somos o único grupo do Nordeste financiado por esse edital”, detalha Antonio Carlos. A liberação de R$ 500 mil ocorreu em meados de agosto e o Lemte deu início em seguida à compra de insumos e indicação dos bolsistas que serão vinculados ao projeto.

De acordo com o professor, toda a infraestrutura para a produção e testes pré-clínicos já está estabelecida no Lemte. Após essa etapa de testes, o grupo deve entrar em contato com a UFPE para uma colaboração interna para a fase clínica 1, que já é feita com seres humanos. “Esse trabalho pode envolver o Hospital das Clínicas ou outros grupos da universidade. Essa fase deve ocorrer posterior a uma validação da efetividade do projeto”, completa o líder do projeto.

Passada a fase clínica 1, o grupo precisaria entrar em contato com Governo Federal ou Estadual ou instituições privadas para viabilizar novos testes e uma futura produção da vacina. “Depende muito desse interesse, porque será necessária uma injeção financeira para montar toda a estrutura para fazer essa fase clínica. Se tivermos um candidato muito bom não tenho dúvidas que tenhamos interesse”, acredita Antonio.

Em caso de eficácia comprovada e aprovada em todos os testes, a vacina poderá ser produzida em larga escala e distribuída. No Brasil, apenas duas instituições têm potencial para tal: o Instituto Biomanguinhos, no Rio de Janeiro; e o Butantan, em São Paulo.

Por fim, o professor ressalta que vacinas têm prazos normais para ficarem prontas de nove a 13 anos, mas a pandemia da Covid, por sua urgência mundial, obrigou a redução desse tempo de espera. “os prazos foram enxugados devido à premência da situação da pandemia, pela falta de um tratamento eficaz que leva você a ter como alternativa o isolamento, que tem um impacto negativo no cenário econômico. E isso fez com que os órgãos acelerassem o projeto”.

As primeiras vacinas liberadas, defende Antonio Freitas, não serão necessariamente inseguras, pois, apesar da necessidade da disponibilidade, todos os testes estão sendo feitos. “Apesar da aceleração, todos os cuidados estão sendo tomados. O que pode acontecer neste primeiro momento é que a vacina que seja liberada não seja a melhor, porque ainda estamos entendendo a doença, o processo e pode ser que ao longo do tempo novas vacinas melhores surjam, mas não quer dizer que a primeira seja ruim ou mal feita”, finalizou o professor.

O trabalho do Lemte é feito em parceria com o Instituto Aggeu Magalhães, da Fundação Oswaldo Cruz em Pernambuco, e com as universidades de Brasília e de São Paulo.