ambiente

Seca no Pantanal tende a se agravar, apontam especialistas

Audiência pública na Câmara dos Deputados discutiu hoje o tema

Área do Pantanal - Agência Brasil

Autoridades públicas e especialistas convidados pela comissão parlamentar que a Câmara dos Deputados criou para acompanhar a situação dos incêndios florestais no Pantanal sustentam que a seca que contribuiu para a propagação do fogo que, este ano, já destruiu quase 4 milhões de hectares do bioma, tende a se agravar nas próximas temporadas de estiagem.

“Vivemos em um mundo em transformação”, declarou o superintendente de Operações e Eventos Críticos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Joaquim Guedes Corrêa Gondim Filho, durante audiência pública remota que a comissão realizou hoje (15). “Nós todos estamos concordando que os eventos extremos vão se acentuar. As secas e as inundações vão ficar cada vez mais intensas”, acrescentou o superintendente da agência reguladora vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional.

Segundo Gondim, parte do Pantanal já havia entrado em um “situação de atenção” no ano passado, devido ao baixo volume de chuvas que, segundo vários especialistas, indicam o início do que pode vir a ser um longo ciclo de seca na região – e que, de acordo com o superintendente, pode afetar outras regiões do país, já às voltas com os impactos da crise hídrica.

“Identificamos que na região do alto Paraguai, no Pantanal, estava acontecendo um evento raro que não se repetia há cerca de 50 anos. Na década de 60, aconteceu um evento [estiagem] muito longo, que durou mais de dez anos, mas ao qual, depois, se seguiu um período de aparente normalidade”, disse Gondim, apontando que a situação pode agravar problemas e conflitos já existentes na região Centro-Oeste, como as disputas em torno do uso múltiplo d´água.

Transporte de cargas
Para o superintendente de Desempenho, Desenvolvimento e Sustentabilidade da Agência Nacional de Transporte Aquaviários (Antaq), José Renato Fialho, um dos potenciais problemas é o desestímulo a investimentos privados para aprimorar o transporte de cargas pelo Rio Paraguai.

“Claro que uma condição extrema destas, de falta de chuva, acaba trazendo um pouco de insegurança para o empreendedor que pretende transportar [cargas] por hidrovias. Dificilmente ele vai mudar toda sua logística de transporte e optar por um modal que, eventualmente, pode sofrer uma interrupção”, declarou Fialho, lamentando que, apesar do trecho que vai de Corumbá até a foz do rio Apa, próximo à cidade de San Lazaro, no Paraguai, já ser uma importante opção de transporte de cargas, nem todo o potencial da hidrovia Paraguai é explorado.

“A hidrovia tem um potencial de extensão navegável de 1.260 quilômetros, mas apenas 590 quilômetros são utilizados, no tramo sul. Em todo o tramo Norte não há movimentação de carga, o que é um grande desperdício. Com intervenções muito pontuais para garantir a profundidade necessária para o comboio de carga, poderíamos ter uma movimentação bastante importante e atrair carga que, hoje, é escoada pelas rodovias”, defendeu o superintendente da Antaq.

Conflitos
Para o ex-diretor-presidente da ANA, o estatístico Vicente Andreu Guillo, os conflitos decorrentes do uso múltiplo da água vão muito além de inviabilizar a exploração do potencial do Rio Paraguai receber grandes barcaças.

“Se há algo que a crise expõe são os conflitos. Quando há água, parece que não precisamos de absolutamente nada, que as coisas funcionam como sempre. Já em uma crise, os conflitos, os interesses legítimos de cada usuário, são expostos”, disse Guillo, apresentando uma série de sugestões aos parlamentares membros da comissão da Câmara dos Deputados, encarregados de propor novas leis ou medidas que aperfeiçoem as normas legais já existentes para preservar o Pantanal e promover um desenvolvimento sustentável da região. Para o estatístico, é importante abandonar a tese de que as poucas chuvas registradas durante as últimas temporadas são reflexos de ciclos históricos já registrados na região, e dos quais o bioma, no passado, foi capaz de se recuperar.

“É muito difícil transpor [os efeitos de] uma seca de 50, 60 anos atrás, [e prever] suas consequências. Hoje, estes eventos acontecem em uma situação de muita alteração do uso do solo; um período em que os rios estão profundamente alterados – principalmente pela operação das hidrelétricas brasileiras”, comentou Guillo. “Se não reconhecermos que as alterações [climáticas] estão ocorrendo com uma frequência e um ritmo muito grande, vamos nos comportar como aqueles que, no passado, vivenciaram secas e concluíram que elas não passavam de eventos estatísticos, cíclicos.”

Impacto
Pesquisadora ligada à Embrapa Pantanal e membro do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês das Bacias Hidrográficas (Fonasc), a bióloga Débora Calheiros destacou a importância de todos, em particular do poder público, estarem atentos às questões climáticas.

“Temos que estar preparados. O Pantanal é resiliente, tem a característica de se adaptar a grandes secas, mas com o nível de impacto em toda a bacia, é difícil saber se o bioma vai resistir em toda sua integridade, pois o nível de impacto é crescente”, comentou Débora, acrescentando que a preservação da área alagadiça do Pantanal, depende também da conservação das áreas altas, de planalto, onde estão as nascentes de cursos d´água importantes para o equilíbrio do bioma.

“O Pantanal é a junção das áreas de planície que são inundadas por vários rios. Rios cujas nascentes ficam em áreas de planalto, onde os aquíferos subterrâneos que abastecem os rios, principalmente durante a seca, afloram. O que está acontecendo é que, nestas partes altas, a agropecuária é intensa. E isto está afetando a planície pantaneira”, afirmou a pesquisadora, criticando propostas de leis e projetos que tratam as áreas elevadas como não pertencentes ao sistema pantaneiro. “Para conservar a planície pantaneira é preciso preservar o planalto.”

A bióloga também refutou o argumento de que a proibição à criação de gado em áreas do Pantanal destinadas à conservação ambiental favoreça o acúmulo de material orgânico que, durante a seca, serviria como combustível, favorecendo a propagação de qualquer incêndio.

“Esta questão do boi bombeiro é bem polêmica. O fogo que, este ano, segundo a UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro], já consumiu cerca de 27% do bioma, começou fora das unidades de conservação. Além disso, há relatos da Polícia Federal apontando [a existência de] incêndios criminosos”, acrescentou Débora.

Ao longo de pouco mais de três horas de audiência, que contou com a participação de outros convidados e com a fala de alguns deputados, coube ao representante do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o meteorologista Maicon Eirolico Veber, trazer a única boa notícia do dia.

“Nas próximas duas ou três semanas, deveremos ter um aumento gradativo da precipitação de chuvas em parte do Brasil Central. Já temos um enfraquecimento da massa de ar seco e quente na Região Central e, esta semana, tivemos chuvas pontuais em parte do Mato Grosso, em alguns pontos do Pantanal e no sul da Região Amazônica. Há uma tendência para chuvas nos próximos dias, e elas tendem a se tornar mais regulares a partir de novembro”, pontuou Veber, sem deixar de lembrar que o volume de chuvas registrado este ano está abaixo da média da última década.