Dependência econômica faz Planalto apostar em relação pragmática com Arce na Bolívia
Expectativa é de que novo presidente reedite tentativa de Evo de evitar conflitos com Bolsonaro
Menos de um ano depois de comemorar a renúncia do ex-presidente Evo Morales, Jair Bolsonaro (sem partido) foi surpreendido com a virtual vitória em primeiro turno de Luis Arce, ex-ministro da Economia da Bolívia que lidera a volta do MAS (Movimento ao Socialismo) ao poder.
Apesar de a conquista representar o retorno da esquerda ao país vizinho, frustrando expectativas do presidente brasileiro, auxiliares no Palácio do Planalto afirmam esperar que o novo líder boliviano, apadrinhado de Evo, busque uma relação pragmática com Bolsonaro.
A enorme dependência econômica da Bolívia em relação ao Brasil, além do perfil moderado de Arce, não deixaria o novo presidente em condições de antagonizar com Bolsonaro apenas por questões ideológicas.
Entre janeiro e outubro, o Brasil importou US$ 808,2 milhões (R$ 4,53 bilhões) do país vizinho, mas tem sinalizado a intenção de diminuir a demanda por gás, o que coloca pressão na economia local.
Os resultados oficiais do pleito boliviano ainda não foram divulgados, mas adversários e a OEA (Organização dos Estados Americanos) já reconheceram Arce como o vencedor no pleito.
A expectativa no Planalto é que ele aposte no pragmatismo, algo que não representa uma novidade na relação entre os dois países, mesmo com líderes que militam em polos ideológicos opostos.
À época um dos últimos sobreviventes da onda de esquerda latino-americana, Evo compareceu à posse de Bolsonaro no início de 2019 e evitou choques com o brasileiro. Mais do que isso, apressou-se em devolver Cesare Battisti à Itália para cumprir pena por terrorismo, num gesto que agradou Bolsonaro.
Battisti foi preso na Bolívia após fugir do Brasil, onde tinha asilo político concedido no final do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Assessores palacianos também preveem que Bolsonaro terá mais facilidade para tratar com Arce, uma vez que ele não é considerado uma referência da esquerda ligada a nomes como Hugo Chávez e Lula.
Ninguém descarta, no entanto, alguma declaração de Bolsonaro criticando a volta do MAS ao poder no país vizinho, a exemplo do que ele faz com frequência com o presidente da Argentina, Alberto Fernández.
De acordo com relatos feitos à reportagem, ainda não houve contatos entre a equipe de Arce e o Itamaraty, mas a expectativa é que eles ocorram na medida em que o resultado seja oficializado e se inicie a transição.