Com 'Desalma', Globoplay aposta em drama sobrenatural
Escrito por Ana Paula Maia, suspense sobrenatural tem inspiração nas comunidades ucranianas no Brasil
A série “Desalma”, que estreia no Globoplay nesta quinta-feira (22), traz um universo bem distante do que estamos acostumados a ver em produções nacionais. Drama sobrenatural, com toques de terror e suspense, a obra mostra Brígida, pequena cidade no Sul do Brasil, onde a população convive de perto com rituais de bruxaria.
Com direção de Carlos Manga Jr., a trama é escrita por Ana Paula Maia, que traz na bagagem uma carreira premiada na literatura. A autora carioca, que há cinco anos vive em Curitiba, teve como inspiração para a série a mitologia e costumes da comunidades ucranianas no Paraná.
“Quando me mudei, me deparei com uma cultura totalmente diferente e que o restante do Brasil pouco conhece. A Ucrânia é o berço do paganismo. Essa bruxa ocidental que a gente conhece vem de lá. Encontrei os elementos que eu precisava para escrever uma história de terror dentro do meu país”, comenta a escritora.
Em Brígida, a população descendente de ucranianos ainda conserva tradições dos seus antepassados, como a Ivana Kupala, festa milenar de origem pagã. A morte da jovem Halyna (Anna Melo) na noite da celebração, nos anos 1980, faz com que o festejo seja retirado do calendário municipal. Depois de 30 anos, os moradores decidem retomar a cerimônia, fazendo com que antigos traumas reapareçam.
Ana Paula traça um paralelo entre a imigração e a transmigração de almas, um dos fenômenos sobrenaturais que rodeiam a trama de “Desalma”. “Há um elo interessante entre essas duas ações, que é a resistência à morte. Enquanto uma é migrar para outro país para sobreviver, a outra é mudar de corpo e continuar vivendo. O corpo representando outra pátria, para onde você carrega a sua essência e a sua cultura”, observa.
Medo
Embora a série possa ser enquadrada dentro do gênero de horror, o público não deve esperar por muita violência, monstros ou sangue jorrando na tela. Segundo Ana Paula, a história foi construída como um drama de famílias. “O elemento sobrenatural vai sendo introduzido muito sutilmente, de forma progressiva, ao longo da trama”, diz.
“A gente quer gerar uma atmosfera que leve você a um estado angustiante. Isso é mais complexo do que a visão maniqueísta de ter medo porque viu uma coisa feia. É uma sensação de incômodo que vai num arco crescente”, completa Carlos Manga Jr.
Personagens
Os segredos que assombram “Desalma” esbarram em três mulheres, as protagonistas que conduzem o enredo. Maria Ribeiro interpreta Giovana. Após a morte misteriosa do marido, que cresceu em Brígida, ela resolve se mudar para o lugar. Na nova casa, a viúva é recepcionada pela prima do seu esposo, Ignes, vivida por Claudia Abreu. A anfitriã, por sua vez, começa a notar no pequeno Anatoli, seu filho, comportamentos estranhos.
“O que há de interessante na Ignes é que ela é uma grande panela de pressão. Houve um grande trauma na família, muito mal explicado na opinião dela, e ela nunca mais se recuperou. É uma pessoa desequilibrada psicologicamente e, por isso, é afastada do trabalho para se tratar. Só que a medicação faz com que ela fique um pouco abafada nas sensações. De vez em quando, escapa o que ela realmente está sentindo. Acho importante poder falar sobre essas pessoas que têm uma dor muito profunda na alma e, por conta disso, passam a ser desconsideradas pelos outros”, comenta Claudia.
Com seu longo cabelo branco e roupas de tons escuros, a feiticeira Haia tem o visual mais impactante da série. Mãe de Halyna, ela não consegue aceitar a morte da filha e passa a buscar formas de trazê-la de volta à vida. Neta de húngaros, Cássia Kis diz que buscou características da personagem dentro de si. “Gosto de ter a imagem da bruxa como referência para trabalhar, porque ela traz força, solidão e dor”, compartilha. Cidades do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, além do Rio de Janeiro, serviram de locações para as cenas.
Internacional
A autora estruturou a série pensando em três temporadas. A segunda, já totalmente escrita, foi confirmada recentemente pelo serviço de streaming. Com uma atmosfera que a aproxima de produções europeias, como a alemã “Dark” e a norueguesa “Ragnarok”, “Desalma” é uma aposta do Globoplay que mira o mercado internacional. Em fevereiro, a série chegou a ser exibida no Festival de Berlim, surpreendendo a plateia.
“Normalmente, os festivais consomem uma brasilidade mais óbvia, relacionada à violência e à pobreza. A gente chegou lá com um produto que poderia ser de qualquer lugar do mundo. É muito legal mostrar que nós podemos fazer outros tipos de dramaturgia”, afirma a atriz Maria Ribeiro, que acompanhou o diretor durante a sessão no evento.
O som é um dos elementos que podem gerar comparações entre a série brasileira e “Dark”. Afinal de contas, a equipe de pós-edição de “Desalma” contou com a colaboração do alemão Alexander Wurz, mesmo sonoplasta da obra da Netflix.
“O som em ‘Dark’ foi uma das coisas que mais me chamou atenção, porque não é um som pontual, que te força de uma maneira mais superficial a chegar a um tipo de sensação. Ele é contínuo, ultrapassa sequências e, aos mesmo tempo, intercala com o silêncio. Era exatamente isso o que a gente queria. Conseguimos trazer o Alexander para criar um ambiente de ruídos e quase silêncio”, explica Carlos Manga Jr.