Após queimadas, produtores rurais rejeitam estatuto para proteger Pantanal
Os produtores participaram de uma audiência pública interativa da comissão, nesta sexta (30)
Produtores rurais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul criticaram nesta sexta-feira (30) a possibilidade de aprovação do estatuto do Pantanal. Um projeto de lei com novas regras para a proteção do bioma deve ser apresentado em dezembro pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS). Ele é o relator da comissão externa que acompanha o combate aos focos de incêndio, que destruíram 26,7% da área do Pantanal neste ano.
Os produtores participaram de uma audiência pública interativa da comissão. Para o presidente da Associação Brasileira de Produtores Orgânicos (ABPO), Leonardo Leite de Barros, a criação de gado desenvolvida no Pantanal “é uma das mais sustentáveis do mundo”. Segundo o pecuarista, o estatuto não pode restringir ainda mais a atividade econômica na região.
"Chega de legislação restritiva. Vamos fazer uma lei para bonificar os bons e criar cadeias produtivas sustentáveis. Precisamos de política pública, incentivo fiscal e divulgação de produtos e serviços do Pantanal. A gente só enxerga dessa forma o futuro. Isso é moderno. Isso é o novo", afirmou.
Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Maurício Koji Saito, o debate sobre uma nova legislação ocorre “em um ambiente que não é favorável para se mudar o que já existe”.
"A legislação ambiental brasileira é extremamente rigorosa. Temos que fazer cumprir o que consta no Código Florestal [Lei 12.651, de 2012], construído a diversas mãos e com muita dificuldade. Uma nova legislação não vai ajudar a resolver o problema, porque a gente começa a perceber que a discussão se mistura. Se entramos com outros tipos de regramento, com tudo o que já foi estabelecido, a insegurança jurídica é causada", disse.
O presidente da Sociedade de Defesa do Pantanal (Sodepan), Marcelo Rondon de Barros, também criticou a aprovação de novas normas para regular a atividade econômica no Pantanal. Para ele, os incêndios deste ano foram provocados por uma situação climática atípica.
"Foi uma das mais severas secas das quais se tem registro. Talvez a mais severa dos últimos 60 anos. Temos o bioma com o maior índice de preservação do Brasil. Aproximadamente 87% da cobertura vegetal do Pantanal é original. Tudo isso está salvaguardado por legislações amplamente discutidas e relativamente recentes. A legislação vigente deve ser respeitada para garantir o nosso direito de segurança jurídica", afirmou.
O presidente da União dos Pantaneiros da Nhecolândia (Unipan), Eduardo Affonso Santa Lucci Cruzetta, disse que a imprensa deu “uma exposição muito grande” aos focos de queimadas no Pantanal. Ele lembrou que os incêndios são comuns nos períodos de seca e rebateu acusações de que os produtores rurais seriam responsáveis pelo fogo.
"O incêndio pode ser oriundo de uma queimada ilegal ou de um acidente. Qualquer que seja a causa, ele é extremamente danoso para os produtores rurais. O que vi na mídia, que foi muito divulgado, muito falado por diversos grupos políticos, é que queriam imputar ao produtor rural essa culpa, uma responsabilidade por isso que aconteceu. A gente não aceita isso", disse.
Para o diretor de Relações Institucionais da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), José Luiz Martins Fidelis, os produtores rurais já promovem o uso sustentável do Pantanal e não precisam de uma nova legislação.
"Hoje eu acho que está dentro da sustentabilidade. Vamos tirar a questão dessa tragédia, que foi pontual. O que está acontecendo são acidentes que muitas vezes não são provocados por produtores rurais ou pela ação do homem", afirmou.
O diretor de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Sergio de Zen, também desaconselha a aprovação de novas regras para a proteção do bioma. Segundo ele, imagens de satélite analisadas pelo órgão indicam que todos os focos de incêndio no Pantanal “estão fora das áreas de pastagem e agricultura”.
"Mudanças e novas regras vão gerar insegurança jurídica e afastar o investidor dessa região. Essa questão de novas ferramentas deve ser observada com muito cuidado, porque elas podem ter um efeito negativo. A gente vai criar regras que muitas vezes não tem condição de executar. O Código Florestal ainda não está na plenitude de aplicação. É muito mais recomendável que façamos o bom e completo uso do Código Florestal antes de pensar em outras regras", disse.
Repercussão
Para a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), a opinião dos produtores rurais representa “uma insurgência contra o texto do relatório”. Ela avalia que o segmento “já está amarrado” pelo Código Florestal, que resultou de uma discussão “exagerada e cansativa” no Congresso Nacional.
"Sou contra qualquer outro tipo de legislação. Peço que ninguém faça palanque do nosso Pantanal como fazem palanque da Amazônia", disse.
O senador Espiridião Amim (PP-SC) defendeu a inclusão de um “cadastro positivo” do produtor no Estatuto do Pantanal. Para ele, a nova lei deve trazer parâmetros objetivos para medir quem cumpre regras de produção sustentável.
"Criem indicadores de sustentabilidade. Indicadores para saber quem não cumpre, mas principalmente quem cumpre um processo produtivo sustentável. Temos que premiar quem faz o bem. Não só punir, proibir, coibir ou reprimir o erro. É mais ou menos a história do cadastro positivo. No Estatuto do Pantanal, temos que ter um capítulo sobre boas práticas baseadas em indicadores de sustentabilidade, manejo e respeito ao meio ambiente", afirmou.
Para o presidente da comissão externa, senador Wellington Fagundes (PL-MT), o desastre provocado pelas queimadas deste ano não pode “cair no esquecimento”.
"O cenário de destruição não pode voltar a se registrar na mesma dimensão. O verde que agora volta não pode apagar as cinzas, nem as imagens da vegetação queimada e dos animais mortos. A demora nas ações de prevenção não pode voltar acontecer, e estaremos atentos. Não temos visto nenhum órgão oficial fazendo um inventário dos estragos causados pelo fogo. Sabemos que temos organizações não-governamentais fazendo esse trabalho. E é assim que vai ficar?", questionou.