Comitê internacional pede que Anvisa retome testes da Coronavac
Entidade condenou suspensão dos ensaios após morte de voluntário não relacionada ao imunizante
Em mais um capítulo na guerra da vacina entre o governo federal e o de São Paulo, o Comitê Internacional Independente recomendou à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que retome os testes com a Coronavac.
A agência agora irá analisar o pedido, já que ela é soberana na regulação do setor no Brasil, em conjunto com o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, que também recomendou a volta dos ensaios.
A vacina contra a Covid-19, desenvolvida na China e que terá produção conjunta com o Instituto Butantan se for eficaz, teve seu ensaio clínico de fase final suspenso na noite de segunda (9).
O motivo foi o relato de um evento adverso grave, no caso a morte de 1 dos 13 mil voluntários do programa do imunizante no Brasil. Só que a vítima, um homem de São Paulo, morreu por suícidio segundo a Polícia Civil.
O comitê é um órgão internacional que avalia os ensaios vacinais em todo o mundo quando há disparidades ou dúvidas.
O Butantan havia enviado ao comitê um pedido de análise do caso depois que a Anvisa não aceitou as explicações dadas em reunião pela manhã acerca do episódio e sugeriu a comunicação, o que irritou o governo paulista.
Todo o caso se insere na disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria (PSDB-SP), que desde o começo da pandemia têm orientações díspares sobre como manejar o problema.
Após negar a gravidade da crise, agora Bolsonaro tem trabalhado para minar politicamente os esforços de Doria de ter uma campanha ampla de vacinação de pé no primeiro trimestre de 2021. O tucano apostou alto na vacina da Sinovac, que ganhou nome Coronavac e se mostrou segura nos primeiros testes clínicos da chamada fase 3 na China.
Nesta manhã, após a decisão da Anvisa, Bolsonaro a comemorou como uma vitória pessoal sobre o governador. Doria e seu entorno decidiram não reagir diretamente, e o governo colocou sua equipe técnica que lida com o assunto para falar sobre o problema em uma entrevista coletiva.
Oficialmente, ninguém fala sobre o suicídio, ou eventual overdose, do voluntário porque há protocolos de sigilo médico envolvidos. Mas as circunstâncias da morte justificaram a assertiva das autoridades paulistas de que não haveria motivo para parar os ensaios.
Além disso, a divulgação da decisão da suspensão na noite de segunda, apenas 38 minutos após um e-mail ter sido enviado para o Butantan convidando para a discussão do caso na manhã seguinte, causou em São Paulo a impressão de busca por um desgaste político.
A morte havia sido reportada no dia 6, mas ficou três dias paradas no sistema da Anvisa por problemas técnicos. "Às 15h da segunda foi enviado um ofício informando o problema e pedindo dados, dando um dia de prazo. Às 18h, um segundo ofício pedia os dados, e os enviamos", disse à Folha de S.Paulo diretor do Butantan, Dimas Covas.
"Quase três horas depois, eles nos convidaram para uma conversa nesta terça e, logo depois, suspendeu os testes sem nos avisar. Um telefonema teria resolvido", afirmou.
O diretor da Anvisa, Antonio Barra Torres, por sua vez, disse em entrevista coletiva que esse não seria o seu papel.
Mais cedo, o Conselho Nacional de Ética em Pesquisa havia recomendado a volta dos testes. A entidade também foi notificada sobre a morte no dia 6, pediu e recebeu as informações do governo paulista.
Não há um cronograma escrito em pedra, mas a expectativa dos chineses é ter a fase 3 da Coronavac concluída até o fim deste mês, o que poderá abrir o caminho para seu registro no Brasil -responsabilidade da Anvisa. O estudo de segurança até aqui aprovou o imunizante, resta saber sua eficácia.
Doria comprou 46 milhões de doses para entrega até o fim de dezembro, 40 milhões delas em forma de insumos a serem formulados no Butantan. Se tudo der certo, a vacinação pode começar em janeiro.