Black Friday será teste de fogo para varejo online
Quem tem loja física estendeu período de promoções na expectativa de evitar lotação
No ano em que 7,3 milhões de novos consumidores aderiram às compras pela internet, a Black Friday será um teste de fogo para o varejo online. Os obstáculos não são modestos.
A taxa de desemprego chega ao final do ano batendo recordes, o que inibe gastos e propensão a contrair dívidas. Até agosto, 13,8 milhões de pessoas buscavam trabalho, mas não encontravam, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O auxílio emergencial, que sustentou a retomada das vendas em vários estados, já foi reduzido de R$ 600 para R$ 300 e, até agora, não tem previsão de ser prorrogado.
Há também a inflação em alta. O desarranjo das cadeias produtivas reduziu o abastecimento de diversos componentes da indústria, o que resultou em pressão sobre custos na produção e gera impactos sobre os estoques.
O ambiente econômico, por sua vez, limita a capacidade de repasse desses custos. Não há espaço para remarcações de preço, avalia o vice-presidente da ABComm (Associação Brasileira de Comércio Eletrônico), Rodrigo Bandeira.
Ainda assim, estudo da Neotrust/Compre&Confie com a ABComm projeta uma alta de 77% no volume de pedidos e no faturamento do ecommerce na comparação com o resultado do ano passado.
"Apesar do ano altamente atípico, a data vem crescendo. Além disso, tivemos o ingresso de milhares de novos consumidores e 150 mil novas lojas online. É um número muito importante de consumidores com propensão a buscar ofertas", diz Bandeira.
O boom do comércio online na pandemia levou as grandes varejistas a acelerar processos de digitalização, o que, segundo analistas, pode ter feito com que eles estejam mais preparados para oferecer sites estáveis e cumprimento de prazos.
Júlia Ávila, da Ebit|Nielsen, diz que a reabertura das lojas equilibrou a balança em direção ao varejo físico, mas que o bom desempenho nos meses aumentou a importância da data.
A projeção da consultoria é mais modesta do que a feita pela Neotrust, mas ainda é de alta -a estimativa é de um crescimento de 27% nas vendas. Para Júlia, sem a redução do auxílio emergencial, o resultado seria ainda maior.
A avaliação de Felipe Brandão, da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, é similar, mas mais otimista -ele acha que nem a crise econômica reduzirá o avanço do dia de promoções.
Outro desafio para o varejo neste ano é com a lotação das lojas, uma vez que as recomendações de evitar aglomerações persistem. Para evitar o efeito "estouro de boiada", as grandes empresas com lojas físicas anteciparam as promoções e prometem que tudo o que foi remarcado já está no melhor preço.
Na Via Varejo, dona de Casas Bahia e Pontofrio, a Black Friday vai durar 40 dias. As promoções começaram no fim de outubro. A estratégia pretende desviar o comprador da loja física e garantir um tráfego mais diluído no decorrer dos dias. Mesmo assim, Abel Ornelas, chefe de operações da rede, prevê que a semana final seja de lojas cheias e cuidados redobrados.
Para os 40 dias de evento, R$ 7 bilhões em mercadorias foram colocadas em estoque. Para driblar problemas de abastecimento, a rede diz ter usado o bom relacionamento com fornecedores e as negociações fechadas com muita antecedência. "Pode não ter a variedade, mas profundidade, vamos ter. De dez modelos, vai ter cinco ou seis', diz Abel.
Na Dafiti, Malte Huffmann, cofundador do grupo de ecommerce de moda, diz que encontrou dificuldades com alguns fornecedores e contornou o problema aumentando o portfólio na pandemia.
"No nosso setor houve relatos de falta de matéria-prima, com fábricas fechadas no Ceará e no Rio Grande do Sul. Mas, por outro lado, avançamos na estratégia de market place".
Para o dia de promoções, batizado pela empresa de "fashion friday", a marca diz planejar descontos de até 80% e ter Sabrina Sato como estrela da campanha.
Antecipar ofertas também é estratégia de Magazine Luiza, Americanas e Renner.
Na rede Magazine Luiza, a fase de promoções, batizada de "agora ou nunca", teve início no dia 1º de novembro. Segundo a diretora de marketing Ana Paula Rodrigues, a ação traz o senso de urgência para antecipar vendas e avisa que produtos listados não estarão mais baratos na Black Friday.
O estoque montado para este ano soma R$ 5 bilhões, fruto de um planejamento estruturado com a indústria, diz Ana Paula. Para ela, o sucesso da data virá da preparação feita pelo consumidor, que já espera ofertas agressivas.
A C&A abriu uma seleção para 400 vagas temporárias para reforçar a operação logística em São Paulo, Barueri, na Grande SP, e no Rio de Janeiro. Fernando Guglielmetti, o diretor de digital da marca, diz que o estoque das lojas será suficiente para a melhor Black Friday.
A empresa aposta fichas no avanço da operação digital, que cresceu 350% no segundo trimestre e chegou a responder por metade das vendas.
A Netshoes/Zatini também conta que organizou os estoques para data e que virá com descontos agressivos. Murilo Massari, diretor comercial do ecommerce, explica que foi a forma de lidar com o desafio de atrair clientes no momento em que ainda há insegurança em relação ao futuro.
Fabio Faccio, presidente da Renner, disse em teleconferência a investidores que a Black Friday ganhou ainda mais importância neste ano e que as expectativas são de crescimento. O estoque, afirmou, é formado de peças "já promocionadas" e outros "compradas para esse evento, com boas margens e em boas quantidades".
Nas Americanas, a entrada no dia de promoções será acompanhado por uma transmissão no Youtube, em uma ação apresentada pelo infl uenciador Felipe Neto e convidados. Carlos Padilha, diretor financeiro da empresa, diz estar confiante de que 2020 marcará a maior Black Friday.
Para Júlia, da Nielsen, será interessante observar neste ano o avanço do segmento de supermercados no dia de promoções, pois é um setor tradicionalmente menor ante ao de eletrodomésticos, por exemplo.
No Grupo Pão de Açúcar, a estratégia é similar a das demais varejistas: antecipar promoções diárias para que o cliente não sinta necessidade de ir até as lojas no dia principal. Othon Vela, diretor de marketing de varejo alimentar do GPA, diz que o crescimento do ecommerce fez o grupo antecipar um planejamento de quase três anos, com a inauguração de centros de distribuição que pudessem atender o digital.
Pequenas e médias empresas devem reforçar logística Existe muita expectativa com a data em especial entre pequenas e médias empresas. Segundo Ivan Tonet, analista de relacionamento com o cliente do Sebrae, há um otimismo com a expectativa de recuperação das vendas, que encolheram ao longo do ano.
O especialista conta que orienta as empresas a tomarem cuidado extra com a logística. Tonet reforça que é necessário ter sempre uma transportadora como segunda opção para não frustrar vendas.
A marca de jalecos premium 'JalecoChic' espera que a Black Friday finalize bem um ano que foi marcado pela necessidade de criar alternativas.
A empresa nasceu no Whatsapp e atuava em ecommerce desde 2016. Havia se preparado para abrir a primeira loja física neste ano. No entanto, o projeto foi adiado em março, logo após o anuncio dos primeiros casos de Covid-19 no país. A partir daí, os imprevistos só aumentaram.
Veio a retração na oferta de insumos, que afetou o setor têxtil de forma generalizada na pandemia. Alves conta que foi possível contornar o problema porque a empresa trabalha com estoques para cinco meses. "Então, sempre teve tecido na casa", afirma.
Depois, surgiu demanda de pijamas cirúrgicos, que demandam tecidos de malha e lycra. Foi possível atender porque esses insumos podem ser supridos no mercado interno. "Em um determinado momento, a gente até deixou de produzir um pouco de jaleco."
De março para novembro, a empresa, que supre dermatologistas, ginecologistas e cirurgiões plásticos, conseguiu cresceu 40% em faturamento e teve que usar o espaço que seria da nova loja física para ampliar o estoque.
Agora, a empresa vai usar a Black Friday para testar outra novidade, o cashback ,política de venda que prevê parte do dinheiro de volta.