'Desalma': dubiedade do texto foi proposital e série dever ter mais temporadas
De acordo com a autora Ana Paula Maia, cuja estreia na ficção televisiva foi na série, a intenção era justamente essa
A narrativa da série "Desalma", da Globoplay, mistura elementos sobrenaturais com dramas reais, deixando o público por vezes com a pulga atrás da orelha: aquele fato ocorreu mesmo ou faz parte da imaginação (ou dos delírios) dos personagens? A autora Ana Paula Maia, cuja estreia na ficção televisiva é justamente na série, diz que a intenção era justamente essa.
"A série aborda essas nuances dessas possíveis relações, costurado por um elemento sobrenatural que vai tomando forma e de uma maneira crescente e que, em muitos momentos, você não sabe se ele realmente está acontecendo ou se aquilo ali é uma possibilidade, uma possível loucura dos personagens", diz Maia.
"Até que isso vai querer uma forma de fato e vai ser mostrado. A série tem todas essas camadas de possível interpretação e também de construção, não é uma entrega muito fácil para o espectador", acrescenta.
Ela afirma que se trata de uma ousadia ter deixado esse nível de dubiedade no texto. "É uma série que foi escrita e dirigida com muito cuidado, muito esmero", conta. "E a gente precisa da interação do público com a série, porque você precisa estar muito presente, muito perto dela para conseguir de fato entender os aspectos que a trama quer levar e para que possamos ir para um outro nível de uma possível continuação da série."
A escritora diz que a fictícia cidade de Brígida, onde se passa a história, é um caldeirão de mistérios, cuja dinâmica está ligada aos personagens e atravessa décadas. "Não há inocentes em Brígida é uma frase que mostra o que todo mundo, de uma certa forma, está envolvido com que acontece naquela cidade", avalia. "[É] um lugar pequeno em que todo mundo tem alguma relação consanguínea, em que todo mundo se conhece, então, de fato, todos estão envolvidos naquilo que está acontecendo direta ou indiretamente."
A começar pela família Skavronski, que está no centro da trama. "É uma família que vive nessas sombras, uma família bastante disfuncional", conta.
O mesmo ocorre com Haia (Cassia Kis), uma bruxa que mora na floresta e acaba sofrendo duras perdas ao longo da história. "Ela consegue viver, mas nunca está em comunhão com essa comunidade", diz. "Muita gente vai até ela, mas em segredo."
Toda a trama gira em torno da celebração da festa pagã de Ivana Kupala. Em 1988, uma grande tragédia ocorreu durante a celebração, que passa 30 anos sem ser realizada. Em 2018, os habitantes de Brígida resolvem retomar a tradição. Os dois tempos são mostrados na tela.
"É um marco de dois momentos da série, pontua a trama", afirma Maia. "Ivana Kupala é muito importante na trama porque ali que ocorre alguns dos eventos mais importantes de estopim para a história e também importante porque a gente consegue perceber um pouco dessa cultura ucraniana."
Ela explica que existe um mito em torno da festa de que se trata da noite mais escura do ano, na qual criaturas do além poderiam voltar à vida. "É uma festa de celebração do solstício do verão, que é uma festa pagã milenar que ocorre na Ucrânia já há muitos anos. Hoje ela é feita no Brasil também. Existe uma dessas comunidades ucranianas [no Brasil] que comemora a Ivana Kupala uma maneira simbólica."