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Decisão de suspender estudo de vacina não foi descrédito ao Butantan, diz Anvisa

Em audiência, agência rebate críticas e diz que não cabe informalidade na decisão

CoronaVac - Governo de São Paulo

A decisão, na última semana, de suspender temporariamente os estudos da vacina Coronavac não foi um descrédito ao Instituto Butantan, mas um rito formal da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), disse nesta terça-feira (17) o gerente-geral de medicamentos da agência, Gustavo Mendes.

"Essas questões não envolvem, de nenhuma maneira, um descrédito da Anvisa em relação ao Instituto Butantan, em relação aos seus pesquisadores, nada disso", afirmou.

"Isso é o rito formal necessário para que tenhamos a segurança de que o evento adverso grave não esperado foi avaliado adequadamente. Só com isso, então, é que nós pudemos ter elementos para decidir por uma retomada."

A declaração ocorreu em reunião técnica da comissão externa da Câmara de enfrentamento à Covid-19.

Na última semana, a decisão da agência reguladora gerou suspeita de que o órgão teria sido politizado, em especial após o presidente Jair Bolsonaro comemorar a suspensão dos estudos clínicos.

A vacina contra a Covid-19 é desenvolvida pelo laboratório chinês Sinovac em parceria com Instituto Butantan.
A decisão da Anvisa por interromper temporariamente os estudos da Coronavac foi divulgada na segunda-feira (9), e gerou críticas após uma série de divergências com o Butantan.

Segundo a agência, a medida ocorreu após receber a notificação de um evento adverso grave –a morte de um voluntário dos estudos.

O Butantan, porém, negou desde o início que o caso tenha tido relação com a vacina. A principal suspeita dos investigadores ouvidos é a de que a pessoa, um químico de 32 anos, tenha cometido suicídio ou tido uma overdose. O boletim de ocorrência, obtido pela Folha, registra o caso como suicídio consumado.

Após uma série de divergências, o estudo foi retomado na quarta (11).

Mendes participou de uma reunião técnica da comissão externa da Câmara de enfrentamento à Covid-19. Também estiveram presentes o diretor-presidente da Anvisa, Antônio Barra Torres, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, e o secretário de ciência, tecnologia, inovação e insumos estratégicos do Ministério da Saúde.

O gerente da agência afirmou nesta terça que a Anvisa decidiu suspender o estudo porque não tinha dados e evidências que validassem as afirmações do Butantan de que a morte do voluntário de testes da Coronavac não tinha relação com a vacina.

"Esta é uma máxima que nós usamos aqui, na Anvisa, como inspetores e como revisores: nós acreditamos no que as pessoas falam para nós, mas nós trabalhamos com dados e evidências", disse. "Por mais que sejam pesquisadores de instituições renomadas, instituições centenárias, pesquisadores renomados, nós trabalhamos com evidências."

Segundo Mendes, ainda que o Butantan tenha informado que a morte não tinha relação com a vacina, era preciso ter uma análise do comitê independente que analisa a segurança do estudo, o que só foi enviado na tarde de terça (10).

Questionado por parlamentares, ele negou que tenha havido atrasos para a retomada, anunciada apenas no dia seguinte.

"Não foi só a informação relativa ao comitê de segurança que baseou a decisão. Foi necessária uma reunião que fizemos dia 10, à noite, para que, com base nas informações do comitê, e nas discussões que fizemos internamente, o protocolo em andamento garantisse a segurança dos participantes."

Um boletim de ocorrência que apontava a morte do voluntário por suicídio foi entregue às 23h50 de terça, aponta.
Mendes negou atrasos para retomada dos estudos e rebateu críticas de que tenha havido uma precipitação na decisão e suspender os testes.

"Por mais que houvesse notificação temporal, o que tínhamos era apenas a informação de que tinha ocorrido um evento adverso grave não esperado, e que se relacionava ao estudo em andamento, porque não havia uma manifestação do comitê independente", disse.

A medida, porém, foi seguida por uma série de divergências com o Butantan, que acusou a Anvisa de não ter comunicado previamente a decisão e apontou que o caso não tinha relação com a vacina.

Em uma tentativa de rebater as críticas, Mendes disse que era preciso tomar decisões urgentes naquele momento e que não cabe informalidade na decisão da agência.

"Trabalhamos sempre no princípio da precaução. É isso que se espera de nós, o máximo de cuidado. Seríamos questionados se deixássemos a vacinação continuar sem ter certeza absoluta de que ela poderia continuar", disse.

O gerente também fez um apelo para que seja respeitada a autonomia da agência. "Não contamos com o ovo antes da galinha. Se precisarmos interromper os estudos, temos que ter essa possibilidade", disse.

Em meio a disputa política, o diretor do Butantan, Dimas Covas, afirmou ter um entendimento bom com a Anvisa do ponto de vista técnico em reuniões sobre a vacina.

Ele reforçou, porém, as críticas de que o instituto não foi comunicado previamente da decisão. Gerente médico de ensaios clínicos do Instituto Butantan, Ricardo Palacios defendeu uma melhora na comunicação entre a agência e a entidade.

"Existem formas que sim, se pode aprimorar essa comunicação. Existem caminhos para convocar reuniões informais em horários inusuais", disse. "Existe e o Butantan está absolutamente disposto a acomodar os horários para atender com maior celeridade e urgência qualquer solicitação da Anvisa de esclarecimentos."

Ele pediu a Mendes uma comunicação bilateral mais efetiva, para que se garanta que o Butantan acuse recebimento e compreenda as informações. "Porque se a instituição toma conhecimento da decisão pode tomar as medidas necessárias para garantir que a decisão seja eficaz."

Segundo Covas, a previsão é que o instituto receba uma parte das vacinas prontas da China ainda nesta semana, além de matéria-prima que deve ser usada na produção.

A expectativa, diz, é que a vacinação seja iniciada ainda em janeiro –a data, porém, dependerá da conclusão dos testes clínicos e do registro na agência.